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16.12.17

Saudável quem, cara pálida?

Na última premiação dos melhores da gastronomia no Rio da revista Época, na categoria de restaurantes saudáveis todos os votos foram para restaurantes vegetarianos. O menos vegetariano do votos foi no Celeiro, uma das mais antigas e tradicionais casas de saladas da cidade.
É uma enorme mérito dos 3% da população adeptos do vegetarianismo terem conseguido transformar sua opção de dieta restrita em sinônimo de saúde completa. Não vi quando isso aconteceu, quando a maminha da Majórica, o passarinho do Galeto e o bacalhau do Alfaias que alimentam gerações deixaram de ser considerado saudáveis.
Mas no mundo real nunca se produziu e comeu tanta carne, peixe e ovos e ao mesmo tempo nunca fomos tão saudáveis e bem alimentados. Morremos menos e mais velhos. Como pode?
No Pinterest acontece coisa parecida. Na sua lista de tendências de comidas para 2018, a maioria das previsões é ligada a essa mesma alimentação melhor e cheia de substitutos saudáveis para aquilo que 97% do mundo come. Nesse caso a previsão é baseada no aumento de pins e boards de assuntos como air-fry, proteínas vegetais e ghee. Todos representando a busca por essa alimentação "mais correta" e sem culpa que nos está sendo empurrada como também mais saudável, embora a realidade insista em contradizer.
Absolutamente nada contra quem se sente melhor comendo o que quiser. Alface, bacon, aveia e ostra, tanto faz. Tudo contra reduzir alimentação saudável ao momento, moda, tendência que o mercado pede.
Então, do contra que sou, aviso logo que se ano que vem me chamarem para eleger o melhor restaurante saudável do Rio, meu voto pode acabar causando enjoo aos mais sensíveis e politicamente corretos.
Links nos comentários.

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5.12.17

Mesa pra um, sem Instagram nem filas ou fique em casa


Quem me acompanha no Panora já leu muito sobre como a sociedade está se tornando cada vez mais urbana, os motivos desse movimento, suas consequências, oportunidades e desafios.
Mas essa sociedade cada vez mais urbana é também cada vez mais conectada e, ao contrário do que possa parecer, apesar de estarmos vivendo cada vez mais perto uns dos outros isso não significa mais interações físicas entre pessoas. Não vou entrar no mérito de se isso é bom ou ruim, é apenas mais uma característica da sociedade que estamos construindo.
Um desses comportamentos que ratificam essa tendência é que há cada vez mais gente comendo sozinhas em restaurantes. Sozinhas, mas com seus smartphones conectando-as com amigos, trabalho e família. Como você está vendo, a definição de “sozinho” também está sendo atualizada.
O Telegraph fez uma matéria sobre o assunto falando que aquele tabu de comer sozinho já não existe mais, que reservas para um cresceram 38% nos últimos anos e que 25% veem o smartphone como um acompanhante legal nesses momentos. Claro que essa taxa sobe, para 34%, entre os jovens até 24 anos e cai entre os mais velhos. Mas uma coisa é fato hoje: você nunca está sozinho com um smartphone.

Filas de restaurantes monitoradas pelo Google

E esse smartphone companheiro sempre presente nos restaurantes, seja sozinho, seja em grupos está ajudando também quem não está no local.



O Google acaba de lançar um serviço que estima o tempo de espera nas filas de restaurantes. Baseado em dados históricos de seus usuários no local, através do Google Maps agora é possível ver quanto tempo você vai mofar, sozinho ou não, para comer.
Um milhão de restaurantes já estão no serviço que é mais uma ferramenta ajudando o consumidor na sua decisão de compra e na valorização do seu tempo, além de não precisar mais confiar quando a hostess diz que faltam dezoito mesas, mas que é rápido.

A experiência de cada um

Outra ferramenta onipresente que está mudando muito a forma como escolhemos onde comer, começa a incomodar alguns donos de restaurantes. Cansados dos excessos cometidos por clientes ao tirar fotos dos pratos e ambiente para publicar em redes sociais, algumas casas estão simplesmente proibindo fotos em geral. A justificativa passa pelo desvirtuamento da experiência que essas casas se propõem a oferecer. Alguns dizem que o cliente demora tanto nas preliminares fotográficas que acaba comendo frio e depois reclamando nas mesmas redes sociais.
Mais um exemplo desse limbo que tanto falo. Enquanto alguns restaurantes pensam tudo em função da foto que seu cliente vai tirar e publicar, outros preferem que o cliente não tire foto nenhuma em nome da qualidade do que está sendo servido.

Restaurantes virtuais

Mais uma consequência do crescimento das cidades relacionado com a comida é uma oportunidade.
Apesar do aumento das mesas para um nos restaurantes, muitos consumidores ainda preferem não sair, preferem que a comida venha até eles em casa ou no trabalho. Isso fez surgir serviços como o iFood e o Uber Eats que oferecem essa comodidade em parceria com milhares de restaurantes. Esse comportamento do consumidor faz agora surgir outro tipo de “restaurante”, aquele que só existe no app, com uma marca e um menu que o cliente não encontra em outro lugar e que pode estar em qualquer lugar.
Esses novos restaurantes resumem-se a cozinhas, que podem ser compartilhadas por diversas marcas, entregando pratos exclusivamente pelos aplicativos. Faz todo o sentido.
Os chamados restaurantes virtuais podem também acontecer dentro de restaurantes reais para rentabilizar espaço, mão de obra e operações existentes sob uma marca diferente que só existe no app e nas embalagens de entrega.
Com custos menores ou amortizados, eles podem oferecer a mesma qualidade com preços e margens melhores do que a média. Todos ganham.

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25.10.17

Ella, a pizza

É sempre bom entrar em um restaurante e sentir o ambiente renovado, sem nenhum ranço da casa que estava ali pouco tempo atrás. Foi o que aconteceu comigo quando fui conhecer a Ella, a nova pizzaria no Jardim Botânico que abriu onde rapidamente foi o Ró. O lugar mudou pouco, mas a sensação é completamente diferente, principalmente pelo cheiro.

Comandada pelo fera Marcos Cerutti, dono do melhor pão do Rio na SpA Pane, e pelo pessoal do vizinho Puro, a proposta da Ella é fazer uma engenharia que permita oferecer uma percepção perdida por aqui nos últimos tempos, equilíbrio entre qualidade e preço, o famoso bom e barato, no menu e na carta.

A Ella é levemente iluminada com um tom amarelo fogo que combina com o aroma do forno à lenha no fundo do salão. Do bar pedimos um negroni e um boulevardier que, como qualquer drinque, são incomuns de encontrar em pizzarias. Mas a Ella herdou um belo balcão onde serve esses e outros clássicos além de criações próprias, como um bloody mary feito com o molho de tomate da pizza. Genial.

Nos pratos começamos pela burratta cremosa com foccacia de tomates, brotos e pesto de PANCs que estava perfeita. Ligeiramente morna, derrete sobre o pão. A partir de agora só como burratta assim, morninha.

Ao lado tínhamos o que já é um clássico do novíssimo restaurante, bordas para molhar o bico. São palitos grossos da melhor massa de pizza assados individualmente e acompanhados de três molhos: pesto, creme azedo e tomate. Excelente sacada que de tão simples fica óbvio porque ninguém tinha feito antes. Foi quando os drinques terminaram e olhei a carta de vinhos que não chama a atenção pelo tamanho, o que é bom.

Enxuta, chama atenção mesmo pelos preços. O vinho mais caro custa pouco mais de cem reais. Há nacionais, italianos, argentinos e chilenos para todos os gostos. Tomamos um branco espanhol de Toledo bem leve que animou para o prato que chegou junto com ele.

Eram mais pedaços de borda de pizza, dessa vez recheados de queijo e acompanhados de um outro pesto, de ricota, alho e noz moscada, que lembra um alioli bem suave no visual e na boca. O prato não está no menu, mas deveria. Vários sabores bacanas que juntos fazem muito bem ao coração. Classifico fácil como comfort food.

Já íamos pedir um repeteco quando chegou a pizza.

Claro que a escolha foi pela mais básica, pois é no simples que a qualidade tem que aparecer. Borda alta, muçarela de búfala e manjericão sobre um molho de tomate para comer de colher. Deu até vontade de provar o bloody mary da casa. Do tamanho de um prato grande, feita para comer com as mãos, massa leve, mas firme, fina, mas presente e as famosas bordas como arremate, foi a melhor pizza que provei nos últimos tempos e me lembrou a surpresa de quando comi na Capricciosa pela primeira vez quase vinte anos atrás. Quando novo um sabor te remete a outro completamente diferente é sinal de que foram ambos marcantes. É exatamente esse o caso.

A casa traz uma renovação natural e necessária nas pizzarias da cidade, não só pela sua massa e seus sabores, que são absolutamente clássicos por mais paradoxal que isso posse parecer, mas por trazer de volta um prato tradicionalmente acessível ao paladar e ao bolso que vinha sendo abusado por arroubos de criatividade cobrados nos preços.

A Ella conseguiu se diferenciar voltando ao básico, ao simples, trazendo de volta o protagonismo do conjunto redondo e não dos toppings (bleargh!) que domina a oferta de pizzas na cidade. Vida longa pra Ella, que já merece uma filial 😊
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Em 2006 eu já falava sobre novas e velhas pizzas na cidade, leia aqui.

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15.10.17

Se minha rua comesse

Modinhas gastronômicas têm seu valor. São elas, às vezes, que mexem com o mercado, instigam empreendedores e fazem surgir bares e restaurantes ao redor de um tema. As mais recentes e fáceis de perceber são de bares de cervejas artesanais e hamburguerias. Quando a moda acaba, algumas dessas casas ficam, outras passam para a próxima ou daqui para uma melhor. Adoro hambúrguer, mas detesto modinha.

Talvez tenha sido por isso que escolhi a Rua Maria Angélica para morar. Ela é talvez a rua mais consistente em matéria de comida da zona sul. Desconheço outra que ofereça há tanto tempo tantas casas tão variadas e de qualidade do que a minha rua. Nem dá para comparar com a Dias Ferreira como você vai ver.

Desde que me lembro, essa personalidade gastronômica da Maria Angélica começou com o finado Pantagruel do Zé Fernandes, dos melhores restaurantes da sua época e com a Adega do Porto, português tradicional que ainda está por aqui. Pouco depois vieram o Bem Feito da Margarida e o Quadrifoglio da Silvana, que duraram bem menos do que mereciam. E ainda tinha a Ondinha, doceria clássica como existem poucas hoje. No final dos anos 90 veio o Fazendola, o primeiro “quilo gourmet” da cidade que se instalou na galeria que tinha o Mr. Pizza, uma das primeiras franquias de pizza da cidade. Já no século passado, a rua era um oásis para bocas e bolsos.

Hoje continua assim. Em pouco menos de 300 metros a Maria Angélica oferece desde um boteco muito raiz até o chinês do Eike, importado de NY e das mais elegantes casas da cidade. No total são quatorze bares, restaurantes e lanchonetes num mix difícil de encontrar em outro lugar. Veja só.

Na esquina com a Lagoa o imponente Mr. Lam, com seu cardápio sino-ocidental, nos apresentou um chinês bem diferente do que estávamos acostumados a ver por aqui. Meu prato favorito lá não é famoso pato laqueado, mas o Crispy Duck, e se você tiver a oportunidade de visitar a cozinha, não perca. As turbinas a gás que eles chamam de fogões são impressionantes.  Ao lado está a Capricciosa, outra que mudou conceitos por aqui e onde prefiro a burrata fresca e o shitake grelhado às pizzas. As duas casas têm boas cartas de vinhos, a da pizzaria um pouco puxada nas margens. Logo adiante, há 35 anos está a Adega do Porto servindo aqueles clássicos pseudo portugueses num ambiente muito simples. Vou lá comer bolinho de bacalhau e tomar um chope que são bem honestos. Chinês chique, pizza DOC e portuga básico só no primeiro quarteirão.

Atravessando a Alexandre Ferreira damos de cara com um dos restaurantes mais cariocas da cidade. O Gula-Gula na esquina da Praça Sagrada Família é aquele porto seguro. Tem sempre alguma novidade ao lado dos pratos que não saem do menu. Quase em frente está a La Carioca do Marcos, cevicheria que sobreviveu à moda, se renovou e tem sempre bom movimento. Nada que se compare à casa mais movimentada da rua, onde a fila começa antes dela abrir. A Bráz é um fenômeno bacana; salão enorme, ótimo atendimento, pizzas criativas sem invencionices e bom preço são uma receita imbatível que causa engarrafamento no horário de maior movimento. Mas como eu vou a pé...

A partir daí começa o lado mais pop da rua. Sra. Pizza – transgênero que um dia já foi Mr. Pizza – e Miss Refeição, que serve PFs variados a preço fixo, são duas lojas com mesas na calçada que atendem um público diverso há muitos anos. Comida honesta e o olho do dono, sempre presente, são responsáveis pela longevidade das duas casas.

Onde já tivemos o Dom Escracho – bar ao ar livre cujo nome define bem o espirito – e o lindo Nakombi, que durou pouco e na minha opinião tinha uma proposta desconectada com o perfil carioca, está o vacilante Frontera, quilo e rodízio de pizzas que já foi decente e hoje precisa com urgência de uma renovação completa.

Como toda boa rua gastronômica, a Maria Angélica tem também sua caveira de burro. Onde já foi um boteco xexelento, uma livraria café e um japonês decente, há um restaurante fechado há quase dois anos. Não sei como ainda não abriram uma hamburgueria com cerveja artesanal lá. É o que falta por aqui. Colado nele está A Padaria, que já foi Le Pain du Lapin. Com os melhores pães da região, alguns queijos, vinhos e pratos leves, tem público cativo a qualquer hora do dia, principalmente no café da manhã.

Pé-sujo antigo na região, o Bar Rebouças tem uma frequência variada e fiel, garçom famoso, cerveja gelada e petiscos básicos. A casa parece ter mais do que os sessenta anos no local. Há tempos não tenho idade para frequentar, mas já botei muita cerveja na conta que meu falecido porteiro Manoel tinha lá. Morreu de infarto, antes que vocês pensem outra coisa.

O Manoel com certeza não teria conta no Pin-Pin Lanches, loja da cadeia de lanchonetes viral na zona sul que está na esquina com a Jardim Botânico. Maior quebra galho, mistura sucos e sanduíches naturais com pizzas e salgados de boteco num mix raro de se ver. Dizem que a rede é de um antigo garçom da Guanabara que ficou rico e toca o negócio do interior de Alagoas. Não duvido.

No último quarteirão comercial da rua, já subindo o morro, estão outra lanchonete, franquia da Mega Matte, e um japa, o Okawari, que é uma incógnita para mim. Não gosto de mate, então nunca parei na lanchonete, mas gosto de japonês e tampouco entrei no Okawari porque ainda não confio totalmente no lugar. Já o vi vazio vezes demais para ter segurança de comer cru por lá. Implico com japonês vazio.

Então é isso, quatorze casas para todos os gostos. Décadas de gastronomia, alimentação e bons serviços prestados ao bairro, a Maria Angélica é muito melhor do que a Dias Ferreira. Menor, mais exclusiva, mais tradicional, muito menos hype. Mas por favor, não conte para ninguém. Exceto para alguém que queira abrir uma boa hamburgueria, afinal de contas nem só de tradição, variedade e consistência vive um gourmand.

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20.9.17

Crítica, referência e overposting



O mundo está mudando tão rápido que a gente não percebe mais quando novos comportamentos assumem o lugar de outros que eram tidos como normais, comuns. Hoje há um novo normal a cada semana.

Tenho o Bistrô desde 2006. Minha proposta aqui é escrever textos mais ou menos longos sobre comida. Falo de pratos, ingredientes, refeições, bebidas, restaurantes, histórias e pessoas que realmente fazem parte do meu dia a dia. Critico, elogio, reclamo, exponho e compartilho experiências e ideias com a profundidade que meu intelecto e meu paladar permitem. Ganhei até algum elogio de gente que admiro pela forma e pelo conteúdo do que eu cada vez menos publico aqui.

Escrever dá trabalho. Escrever contando uma história que ao mesmo tempo seja palatável e informativa, mais ainda. A boa crítica gastronômica ou de restaurantes sempre foi conhecida por textos ricos que reproduzem experiências e sabores, mas principalmente por opiniões fundamentadas por anos de mesas e copos. Gente como Apicius, Ruth Reichel e Francois Simon eram amados e odiados exatamente por entenderem do que escreviam. Eram referências respeitadas por restaurantes e seus clientes pelo conhecimento profundo que compartilhavam em seus ótimos textos. Eram. Hoje as referências gastronômicas vêm de uma foto no Instagram.

Percebi esse novo normal na crítica gastronômica só esse ano, na apresentação de outro novo normal, a cerveja artesanal: as pessoas no evento não perguntavam onde eu escrevia, mas sim qual era meu Instagram. Depois de décadas comendo e bebendo e anos sofrendo para escrever regularmente sobre isso, o que as pessoas querem de mim hoje é uma foto de um prato numa tela de 5 polegadas. Com raras exceções, a referência gastronômica que faz diferença agora não vem mais do conhecimento, mas da beleza de uma imagem. E antes que digam que uma imagem vale mais do que mil palavras, alguém que lia seus textos consegue imaginar o Apicius postando no Instagram?

Ranzinza e jurássico, me chamam disso todo dia, mas não deixo de lamentar que textão virou uma referência negativa, que bons críticos estão trocando o texto por fotos, restaurantes trocando crítica construtiva por likes e que clientes estão buscando informações do que comer com quem parece ter mais prazer na foto do que na mesa. Não sei quando isso aconteceu nem quanto vai durar, só estou achando que o normal dessa semana está demorando demais para passar.
BTW, meu Instagram é @pacotorras.

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