Ella, a pizza
É sempre bom entrar em um restaurante e sentir o ambiente
renovado, sem nenhum ranço da casa que estava ali pouco tempo atrás. Foi o que
aconteceu comigo quando fui conhecer a Ella, a nova pizzaria no Jardim Botânico
que abriu onde rapidamente foi o Ró. O lugar mudou pouco, mas a sensação é
completamente diferente, principalmente pelo cheiro.
Comandada pelo fera Marcos Cerutti, dono do melhor pão do
Rio na SpA Pane, e pelo pessoal do vizinho Puro, a proposta da Ella é fazer uma
engenharia que permita oferecer uma percepção perdida por aqui nos últimos
tempos, equilíbrio entre qualidade e preço, o famoso bom e barato, no menu e na
carta.
A Ella é levemente iluminada com um tom amarelo fogo que
combina com o aroma do forno à lenha no fundo do salão. Do bar pedimos um
negroni e um boulevardier que, como qualquer drinque, são incomuns de encontrar
em pizzarias. Mas a Ella herdou um belo balcão onde serve esses e outros clássicos
além de criações próprias, como um bloody mary feito com o molho de tomate da
pizza. Genial.
Nos pratos começamos pela burratta cremosa com foccacia de
tomates, brotos e pesto de PANCs
que estava perfeita. Ligeiramente morna, derrete sobre o pão. A partir de agora
só como burratta assim, morninha.
Ao lado tínhamos o que já é um clássico do novíssimo
restaurante, bordas para molhar o bico. São palitos grossos da melhor massa de
pizza assados individualmente e acompanhados de três molhos: pesto, creme azedo
e tomate. Excelente sacada que de tão simples fica óbvio porque ninguém tinha
feito antes. Foi quando os drinques terminaram e olhei a carta de vinhos que não
chama a atenção pelo tamanho, o que é bom.
Enxuta, chama atenção mesmo pelos preços. O vinho mais caro
custa pouco mais de cem reais. Há nacionais, italianos, argentinos e chilenos para todos os
gostos. Tomamos um branco espanhol de Toledo bem leve que animou para o prato
que chegou junto com ele.
Eram mais pedaços de borda de pizza, dessa vez recheados de
queijo e acompanhados de um outro pesto, de ricota, alho e noz moscada, que lembra
um alioli bem suave no visual e na boca. O prato não está no menu, mas deveria.
Vários sabores bacanas que juntos fazem muito bem ao coração. Classifico fácil
como comfort food.
Já íamos pedir um repeteco quando chegou a pizza.
Claro que a escolha foi pela mais básica, pois é no simples
que a qualidade tem que aparecer. Borda alta, muçarela de búfala e manjericão
sobre um molho de tomate para comer de colher. Deu até vontade de provar o
bloody mary da casa. Do tamanho de um prato grande, feita para comer com as
mãos, massa leve, mas firme, fina, mas presente e as famosas bordas como
arremate, foi a melhor pizza que provei nos últimos tempos e me lembrou a
surpresa de quando comi na Capricciosa pela primeira vez quase vinte anos atrás.
Quando novo um sabor te remete a outro completamente diferente é sinal de que
foram ambos marcantes. É exatamente esse o caso.
A casa traz uma renovação natural e necessária nas pizzarias
da cidade, não só pela sua massa e seus sabores, que são absolutamente
clássicos por mais paradoxal que isso posse parecer, mas por trazer de volta um
prato tradicionalmente acessível ao paladar e ao bolso que vinha sendo abusado por
arroubos de criatividade cobrados nos preços.
A Ella conseguiu se diferenciar voltando ao básico, ao
simples, trazendo de volta o protagonismo do conjunto redondo e não dos toppings (bleargh!) que domina a oferta
de pizzas na cidade. Vida longa pra Ella, que já merece uma filial 😊.
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Em 2006 eu já falava sobre novas e velhas pizzas na cidade, leia aqui.