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19.10.08

A esquina e o livo - Final

Esta é a última parte de uma história que começou vinte anos atrás. Uma food-novel de um autor alemão que viaja no tempo.
A história começa aqui.
A terceira parte terminou com a Claudia sentada no sofá da casa dela perguntando para mim:
- Co-mo assim? - Ela se inclinou para frente e franziu a testa - Como você conhece a dona de um livro que está na minha casa há não sei quanto tempo?

A esquina e o livro
Final
Imediatamente, lembrei-me de um filme no qual o Dennis Quaid no passado conversa por um rádio-amador com seu filho nos dias de hoje (não vou entrar no mérito do filme, mas a história é mais ou menos essa, ok?). Na trama, ele bota uma agenda dentro de um sofá (no passado) e o filho, que é policial, a recupera (trinta anos depois, no presente) e resolve um caso.
Naquele momento estava acontecendo mais ou menos a mesma coisa, só que na minha história não há rádios transcendentais nem casos de polícia. Só o sofá onde estávamos e o livro.
- Acorda, Chico! - esse era meu apelido na faculdade. - Como você sabe de quem é esse livro?!
Eu olhava para a primeira página e para o rosto da Cláudia esperando minha resposta.
- Conheci essa Rosa em Angra. - disse isso ainda meio em transe - Era muito simpática e adorava ler na varanda de casa. Esse livro é dela, e fui eu que te emprestei.
O exemplar que tenho na minha mão agora não é só o título que eu estava procurando, mas é exatamente o mesmo livro que li vinte anos atrás. Naquela época, um amigo da Rosa me emprestou, devorei em dois ou três dias e re-re-emprestei para Cláudia, que enfiou-o numa estante com um monte de outros livros, onde ficou até hoje sem nunca mais ter sido lido. Nem devolvido. Eu tinha sido a última pessoa a abrir esse livro.
Para nós, foi como um elo entre o passado e o presente que se fechou. Exatamente como no filme.
- Chico, eu pensei várias vezes em doar esse livro - Ela tinha os olhos cheios d’água - mas acabava sempre colocando ele de volta na estante sem saber exatamente por quê.
Larguei o livro sobre a mesa, afinal era só um livro velho, e abracei-a com um sentimento inédito de que alguma coisa tinha sido definitivamente resolvida, que nós dois juntos tínhamos dado um passo irreversível.
Destino ou coincidência, tanto faz. Mas quem pode negar que os anos todos que passei procurando em vão Nem Só de Caviar Vive o Homem não foram para que eu o encontrasse nas mãos da mulher que amo? Quem pode dizer que, mesmo sem ter o menor interesse nesse tipo de literatura, ela não guardou esse livro por que sabia que eu viria buscá-lo? Quem sabe não foi essa procura que me levou a estar naquela esquina exatamente na hora que ela também estava?
Até esse dia, se eu estivesse preenchendo um formulário que perguntasse se eu sou crente ou cético, marcaria a segunda opção com toda segurança. Mas depois dessa experiência de encontros e reencontros, de histórias de vidas se esbarrando em esquinas e livros ressurgindo intocados do passado, confesso que hesitaria alguns segundos antes de marcar. Continuo cético, mas que alguém está trabalhando muito para mudar minha ficha, não tenho a menor dúvida.

Fim

Se você quiser ler essa história desde o começo clique aqui.

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13.10.08

A esquina e o livro - Parte 3

Esta é a terceira parte da história de uma food novel que voltou do passado. Se você não leu os capitulos anteriores, clique aqui.
A segunda parte acabou assim:
"Talvez o leitor considere isso tudo um exagero, tratar a procura por um livro que não tem nada demais como uma caçada e valorizar seu achado como se fosse a conquista de uma medalha olímpica, ou uma descoberta arqueológica. Mas ao final dessa história espero que, se essa impressão existe, ela seja completamente eliminada, pois o que aconteceu depois que abri o livro justifica plenamente as expectativas que criei."
E continua assim:

A esquina e o livro
Parte 3
Vinte anos atrás quando me emprestaram, “Nem só de Caviar...”, já era um livro bem usado, com as orelhas rasgadas, a ortografia desatualizada, e que já tinha vendido mais de um milhão de exemplares, coisa que antes dos livros de auto-ajuda e de Paulo Coelho, era uma marca considerável. Lembro vagamente que o livro não era do amigo que me emprestou, era um re-empréstimo, se existe esta expressão, de alguém com quem eu não tinha tanta intimidade assim.
Naquela época Cláudia e eu éramos colegas de faculdade e vivíamos um na casa do outro fazendo trabalhos, estudando e vagabundeando como todo universitário que se preza.
Depois de formado me mudei para o exterior e fiquei com minhas coisas metade lá e metade aqui sendo que geralmente uma coisa que eu precisava aqui estava na metade de lá e vice-versa. Quando voltei para o Brasil, por um tempo tudo continuou meio espalhado entre amigos e parentes. Com Cláudia, já não tinha mais contato algum.
Nesses quase dez anos que passamos separados, nunca nos esbarramos, nunca a vi passar na rua, não sabia o que ela fazia da vida, tampouco tínhamos amigos em comum. Enfim, não tínhamos a menor idéia do que se passava com o outro até o dia em que esbarramos numa esquina. Agora que estamos juntos de novo, podemos ver que se as coisas não tivessem acontecido exatamente assim, não teria a menor graça.
Finalmente me recostei no sofá, abri o livro numa página qualquer para ver se lendo um trecho a trama surgiria automaticamente na minha cabeça. Não aconteceu. Não me lembrava de absolutamente nada. Alguma nesga de história emergiu quando li a primeira receita, mas era muito mais uma memória gastronômica que literária. Mas o melhor de tudo foi que o temido anticlímax não aconteceu. Já me deliciava com a narrativa bem humorada de Simmel (quem disse que alemão não tem bom humor?) e com as histórias do agente secreto Thomas Lieven quando Cláudia entrou em casa e me viu lendo com um sorriso no rosto. E ainda na porta, devolvendo o sorriso, disse:
- Eu já tinha visto gente esperar por um livro, mas um livro esperar por alguém, nunca.
Ela se aproximou, sentou ao meu lado e me abraçou. Nós já achávamos essa história impressionante o suficiente para ser escrita, mas nenhum dos dois sabia que o desfecho era o queainda  faltava para torná-la única.
- Nem sei bem o que esse livro está fazendo aqui. Tem um nome escrito nele, deve ser da dona, mas eu não tenho a menor idéia de quem seja ela.
Curioso, voltei até a primeira página e li as únicas palavras no livro, que não tinham sido escritas pelo autor:
- Rosa de Lourdes de A. Caldeira - Li silenciosamente. Reli em voz alta para que eu mesmo ouvisse: - Rita Caldeira.
- Pois é, não tenho a menor idéia de quem seja essa mulher. - Ela se recostou no sofá enquanto eu me levantava.
- Mas eu sei quem ela é. - Minha voz quase não saiu.
Dizer que eu estava lívido seria um exagero, mas a expressão no meu rosto deixou evidente o que estava acontecendo.
- Co-mo assim? - Ela se inclinou para frente e franziu a testa - Como você conhece a dona de um livro que está na minha casa há não sei quanto tempo?

Continua...
A história começa aqui.

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7.10.08

Eleições 2008 - Calma que não é nada disso!

Pelo segundo ano consecutivo, a Fernanda Thedim comete o que deve ter sido um deslize e de novo me convoca para ser jurado da edição especial Comer & Beber da Veja Rio, agora na versão 2008-2009. Pelo menos ela teve o discernimento de me manter quieto na seção Comidinhas para eu não destoar dos gourmets de verdade na eleição dos melhores restaurantes. Esperta, ela.
Mesmo correndo o risco de brigar com a Fernanda, esse ano não me omito e vou comentar os resultados, mas só das melhores Comidinhas. Não meto a colher em panela alheia.
Começo com uma comparação entre os eleitos e votados do ano passado com esse ano:


A primeira observação é a empada dando lugar ao temaki. Acho saudável a renovação e a atenção aos movimentos do mercado - os marqueteiros chamam de tendência - só não sei se trocaria uma categoria tão carioca e tradicional por outra que pode ser só um modismo. O tempo dirá.
A segunda observação é que alguns dos eleitos no ano passado não tiveram votos em 2008, é caso do café da manhã da Escola do Pão, que esse ano ganhou em Pão sem ter tido nenhum voto nessa categoria em 2007, e da Pavelka que ano passado levou o melhor salgado mas nesse ano nenhum voto sequer. Cervantes, Colher de Pau e Armazem do Café, campeões em 2007 nas suas categorias, só tiveram um voto cada um em 2008. Isso parece bom, mostra que os jurados - quase todos os mesmos do ano passado - deram uma circulada por aí. Foi o que eu fiz, mas nada tanto assim.
Repeti o Due, o BB, o Bazzar e o Kurt porque para mim são imbatíveis mesmo. Na primeira categoria não entendi como puderam eleger o Café Aquim como melhor espresso, pois lá servem o café em cápsulas da Nespresso da Nestlé tirado numa máquina feita só para elas. Um café que qualquer um, com dinheiro, claro, pode ter em casa. Se tivesse sido eleita a loja Nespresso, como aconteceu em SP, tudo bem. Mas com esse critério poderiam ter elegido várias residências da zona sul. Café não é só pó, não é só máquina, não é só barista. Aliás, não sei o que a classe dos baristas achou dessa eleição, mas eu não teria gostado nada.
Também não concordo com o Talho como melhor sanduíche. Lá você monta seu próprio sanduíche com os ótimos pães e recheios oferecidos. Mais um caso onde qualquer residência carioca poderia ter sido eleita. O BB é diferente, faz excelentes os sanduíches de sempre e tem um cheeseburguer que poderia tranquilamente ter sido eleito na categoria Hambúrguer.
O Bazzar só parece um voto estranho nessa categoria para quem nunca provou o hambúrguer que a turma da Cris faz. No Kurt não tem torta mais ou menos, são todas ótimas e no ponto de açúcar. Além disso tem sempre fresquinha minha torta favorita, a Saint Honoré, produto raro por aqui. O que mais precisa para ganhar meu voto?
Para mim, votar na Colher de Pau ou no Chez Anne é a mesma coisa. Antigas lojinhas que fazem doces bem feitos e sem grandes invenções há anos, o que é muito difícil. Até fui nesse Le Pain du Lapin e pedi um croissant - quem acompanha a gente aqui sabe que na primeira vez vamos sempre no básico - e não gostei. Uma padaria tipo francesa com um croissant fraco não é um bom começo. É mais ou menos o mesmo caso da Casa do Alemão e da Pavelka, o croquete de carne dos dois é tão bom quanto o de camarão do Braca. Aqui em casa a categoria Salgado daria empate triplo.
O café da manhã da Táta é realmente sensacional, tem meu voto também. Mas preferi votar no Lavoura porque lá é super relax, a cara do Jardim Botânico - e de cara para o parque - mesinhas na calçada, pães do Talho (tá explicado meu voto no pão de lá), bolo de fubá tão bom quanto o formigueiro da Táta e espumante para começar bem o domingo. Se ainda não foi, vá.
Saco nada de chocolates, mas não há vez que passe no Rio Design e não pague pedágio no quiosque da Cacau Noir. Nunca provei os da Envídia porque acho o nariz da loja muito empinado até para a Dias Ferreira. Mas quem sabe para o ano que vem?
Troquei meu voto de melhor sorvete para o Itália porque acho o preço do Mil Frutas um abuso. O sorevete é muito bom, mas R$ 7,00 por uma bola de sorvete de côco? A Sorveteria Itália tem sorvetes tão bons e variados quanto os do Mil, pela metade do preço. Era o caso de fazer uma degustação cega de sorvetes para comprovar. Pena que a loja da Itália que abriu aqui no JB feche cedo.
Para encerrar, as temakerias. Fui o único jurado que não pediu uma dupla Koni/Popfish, sem dúvida as temakerias mais cool da zona sul. A Pop não conheço, mas provei outras várias e a Maki Maki foi a que melhor me surpreendeu em sabor e criatividade sem afetação. Vale provar também a Pe'ahi. Vamos ver quantas dessas vão estar por aqui no ano que vem.
Mas acho que no final das contas ganharam todos. Só ser lembrado por meia dúzia de cariocas que andam por aí provando de café a temakis nessa bagunça que a nossa cidade se tornou, é uma enorme vitória. Só sinto falta de ver opções além do Rebouças - todos os vencedores estão em apenas três bairros e os votados em outros cinco. Talvez fosse o caso de regionalizar a eleição, com certeza seriam descobertas algumas pérolas.
O que importa é que agora começa a pesquisa para 2009. Ano passado, das doze categorias eu concordei com três vencedores, esse ano apenas dois. Um dia eu chego lá, vamos ver se a paciência da Thedim aguenta.

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4.10.08

A esquina e o livro - 2

Nessa segunda parte, Nem Só de Caviar aparece pelo telefone, mas a história só está na metade.
Se você não leu a primeira parte, clique aqui  e leia antes de continuar.

A esquina e o livro
Parte 2
Eu continuava sentado na beirada do sofá na casa da Cláudia com o livro ainda fechado, pensando todas essas coisas e lembrando que, no dia anterior mesmo, tinha visitado um sebo e procurado por ele. Durante pelo menos cinco anos fiz isso insistentemente. Não era uma busca insana, mas sempre que tinha uma oportunidade eu procurava o Nem só de Caviar. Algumas vezes encontrei a edição nova, que nem revisada foi depois de 1965 quando foi lançado pela primeira vez em português, ou então encontrava outros livros de Johannes Mario Simmel que eu não tinha a menor vontade de ler. Um exemplar de Nem Só De Caviar Vive o Homem velhinho só para curar minha expectativa, nunca.
No fundo eu até gostava dessa busca infrutífera, gostava de ter um motivo para entrar nos sebos e ficar catando o livro (comprei muitos outros assim), gostava de perguntar para as pessoas se haviam lido e se tinham para me emprestar. Enfim, era uma caçada saudável. Mesmo porque a qualquer momento eu poderia comprar uma edição nova e resolver de vez meu problema. Ainda bem que não fiz isso.
Pela Cláudia eu nunca procurei, nosso reencontro foi absolutamente casual, virando uma esquina demos de cara um com o outro e não nos separamos mais. Passamos dias e noites contando o que tínhamos feito nesses últimos dez anos, de como tínhamos mudado pouco fisicamente, e como nossas histórias pareciam terem sido escritas para que estivéssemos juntos ali, daquela maneira, naquele momento.
E foi numa dessas conversas pelo telefone que, falando dos livros que tínhamos ou não lido, ela inocentemente escreveu essa história.

- Tenho outro livro aqui, acho que vc também vai gostar - estávamos falando de um livro que eu tinha acabado de ler na casa dela e gostado muito. - Tem o mesmo jeitão desse que você leu agora.
- Qual é esse outro livro? - perguntei sem nunca imaginar a resposta que ela me daria meio segundo depois.
- “Nem Só De Caviar Vive o Homem”, conhece? - Ela não ouviu meu queixo caindo.
- Você está me dizendo que tem esse livro aí? - Definitivamente não estava preparado para encerrar minha busca dessa maneira, pelo telefone.
- Tenho, estou olhando para ele.

Cláudia só percebeu o impacto das suas palavras depois que soltei vários palavrões de felicidade e contei a ela - que, claro, não estava entendendo minha reação - a história da caçada que acabava de terminar. Confesso que só no dia seguinte com o livro nas mãos, consegui garantir que ela tinha mesmo acabado. Cheguei a pensar que tudo tivesse sido só um delírio meu.
Talvez a leitora considere isso tudo um exagero, tratar a procura por um livro que não tem nada demais como uma caçada e valorizar seu achado como se fosse a conquista de uma medalha olímpica, ou uma descoberta arqueológica. Mas ao final dessa história espero que, se essa impressão existe, ela seja completamente eliminada, pois o que aconteceu depois que abri o livro justifica plenamente as expectativas que criei.

Continua...

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