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23.3.06

São José

Domingo passado foi dia de São José, e para homenagear o José da minha família, convidei todos para uma Paella lá em casa.
Paella é daqueles pratos que eu gosto, quase de uma panela só. Simples mas rico. Ingredientes frescos, bom azeite e caldo saboroso são mais de meio caminho andado. A parte difícil, que exige algum conhecimento e principalmente prática, é conseguir que frango, peixe, crustáceos e legumes estejam todos juntos no ponto certo na hora certa.

Na Paella original, os ingredientes entram crus na panela cada um ao seu tempo garantindo que no final todos saiam “no ponto” quando o prato estiver pronto. A vantagem deste processo, além de usar uma panela só, é que o sabor de cada ingrediente vai estar completo no prato, sem nenhuma perda. Com Paellas só de frutos do mar – lulas, peixes e camarões - fica mais fácil, mas quando colocamos carnes de frango e/ou porco que têm o cozimento mais lento, a coisa complica um pouco. O risco de que essas carnes estejam duras ou moles demais no final é grande. Por isso, acho muito válido usar alguns subterfúgios para que a Paella saia no ponto certo.

O primeiro é que o caldo tem que ser muito bem temperado para compensar qualquer perda de sabor que possa ocorrer nos processos paralelos. Se a Paella for mista, com carnes, peixes e frutos do mar, uso sempre caldo de peixe e/ou camarão. Além de cebola, alho e um bouquet-garni, para 1 ½ litro de caldo boto um pouco menos de uma colher de chá de pimenta calabresa sêca. Para mim a pimenta tem o poder de abrir os sabores na boca e isso ajuda bastante quando temos diversos sabores num prato.

Depois, carnes, peixes e lulas devem também ser bem temperados com sal, pimenta e limão um pouco antes de irem para a panela. Com os camarões capricho um pouco mais, tempero também com alho picadinho que, além do sabor, dá também um perfume excelente ao prato.

Outro conceito básico da Paella é que depois que se coloca o arroz não se mexe mais em nada, apenas vai se acrescentando caldo até ficar pronta. Como já desvirtuei o processo original todo, também não ligo muito para isso mas procuro não abusar.

Na preparação, como já abri mão de usar apenas uma panela, a paella, uso também uma frigideira rasa grande para refogar peixe, lula e camarão já que as carnes vão direto para a paella mesmo. Então, depois de abrir mão de alguns dogmas, afinal eles estão aí para serem quebrados mesmo, faço minhas Paellas assim:

Na paella refogo o a cebola e o alho, lanço as carnes cortadas em pedaços um pouco maiores que um camarão médio. Um jorro de shoyo – que heresia! - ajuda a dar cor. Quando estão douradas coloco o tomate ralado e temperado. Enquanto o tomate pega cor douro a lula rapidamente na frigideira muito quente com azeite e junto à paella colocando também um pouco de caldo. Acrescento o arroz espalhando bem. Passo o peixe pela frigideira para pegar cor e mando para a panela. Misturo delicadamente. Vou acrescentando o caldo necessário. O arroz fica pronto em mais ou menos 15 minutos, por isso quando faltam cinco minutos é a vez do camarão entrar depois de passar pela frigideira. Outra leve misturada, um acerto no sal e uma verificada se o arroz está cozido mas ainda molhado. Desligo o fogo e deixo o prato descansar coberto com um pano por mais cinco minutos antes de levar para mesa. Em geral decoro com tiras de pimentão vermelho e vagem francesa que refoguei com alho, azeite e sal.

Esse método ajuda a garantir a boa textura dos ingredientes, o que para mim é fundamental nesse prato, sem abrir mão do sabor. Além disso, você pode prepará-los quase todos com antecedência e realmente usar uma panela só para fazer a Paella. Aliás, em geral esse prato é mais saboroso ainda no dia seguinte.

A Paella é um prato fantástico, que além de muito bonito, cheiroso e saboroso, pode ter o jeito que você quiser lhe dar. Lingüiça, alcachofra, costeletas de porco e cogumelos da estação, são apenas algumas idéias para personalizar seu sabor. E como todo prato de uma panela só, dá a qualquer mesa aquele caráter de festa e celebração tão bacana. O meu José, no dia do santo dele, aprovou.

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20.3.06

Escondidinho

Quando falei de pratos clássicos e listei os meus clássicos, acho que ficou parecendo que depois dos anos 70 não surgiu nenhum ícone desses. Quando falei que não considero que o Rio tenha uma gastronomia própria como a mineira e a baiana têm, talvez tenha ficado a idéia que a gente só come pratos criados longe daqui. E quando disse que os chefs parecem mais preocupados em criar pratos para aparecer na mídia do que pensando em deixar uma marca, vocês podem ter entendido que não se se criam mais pratos com essa vocação. Mas para ir contra a tudo isso que eu possa ter dado a entender, os paradoxos e os pontos de vista diferentes são uma mania minha, lembrei que existe um pratinho criado "recentemente", aqui no Rio e que já é um clássico estabelecido no Brasil inteiro: o Escondidinho.

Criado na Academia da Cachaça em 1986, a combinação de purê de aipim, carne de charque e requeijão gratinado, é um clássico da gastronomia carioca que já foi imitado, revirado e corrompido por todo mundo. É a prova de que sem grandes pretensões, com simplicidade, criatividade e principalmente competência, pode se alcançar realizações fantásticas. Um pouco de sorte também ajuda.

O Escondidinho, assim com maiúscula mesmo, não é a exceção que confirma a regra, mas para mim é uma espécie de resumo comestível de muito do que escrevi até aqui. Além disso, é delicioso.....

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14.3.06

Moda e mídia

Restaurantes da moda sempre vão acontecer. Ingredientes da moda e pratos da moda também. Mas às vezes eu acho que a turma exagera. Como escrevi no meu post sobre pratos clássicos, acredito que o prazer dos chefs é sempre renovar os cardápios de seus restaurantes com novidades exibindo sua criatividade e técnica - hoje em dia a técnica ganhou um espaço enorme. Mas por que será parece que eles fazem isso todos com um mesmo ingrediente ao mesmo tempo? Não acredito que seja o famoso inconsciente coletivo.

Se vc acompanha as colunas sobre gastronomia nos jornais, já deve ter notado que há reportagens que falam de um novo ingrediente da moda ou da estação, e mostram como meia dúzia de restaurantes oferecem a novidade.
A coluna da Luciana Fróes no O Globo é um ótimo exemplo. Invariavelmente ela fala de como um ingrediente "novo" é usado em novos pratos em alguns restaurantes. O chef cicrano lançou um prato assim, fulano oferece como sugestão feito assado e todos tiveram a mesma idéia na mesma semana ou no máximo no mesmo mês. Não faço aqui nenhuma crítica à Luciana, ela é uma jornalista e nos conta o que está vendo. Mas será que ela nunca se perguntou isso?

Realmente gostaria de saber como esse fenômeno acontece, se é moda, se é tendência, se todos leram a mesma revista ou se é o famoso SCC - Se Colar Colou.
Acho que deve ser tão difícil ser criativo - e operacionalizar, ter preço, fornecedor, etc - na cozinha toda a semana, que quando o chef sente o cheiro de que alguma tendência,mesmo que seja apenas momentânea, que ele saiba que não vai dar em nada, ele a segue para poder estar no mesmo barco dos seus colegas.

Escrevo isso com sentimentos conflitantes; sei que só fazendo, experimentando, testando, aprimorando e suando muito se cria um prato que pode vir a ser um clássico. Ao mesmo tempo acho que os chefs e seus restaurantes fazem isso muito mais para aparecer na mídia imediata do que pensando em deixar uma marca além daquela estação. Talvez seja por isso que a palavra "novo" seja muito mais frequente na mídia especializada do que a palavra "clássico". Queria um dia ver os colunistas de gastronomia elegendo nos restaurantes de suas cidades pratos que tenham realmente vocação de clássico e depois de, sei lá, cinco ou seis anos procurar esse prato por aí, longe do restaurante onde ele nasceu.

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8.3.06

Lembranças Saborosas

Lembranças Saborosas é um livro organizado pela Virgínia Cavalcanti que entrega mais do que o título vende.
É uma coletânea com mais de 100 autores contando histórias daquelas que ativam as papilas gustativas do leitor. E há das mais diversas histórias acompanhadas de receitas que, se encontramos em outros livros, nunca virão com aquele detalhe único que as fez ficarem gravadas na memória. Às vezes esses detalhes não estão na lista de ingredientes nem na forma de preparo, mas sim na memória que o autor divide com o leitor.

O livro é ótimo por diversos motivos: primeiro porque como são muitas histórias e lembranças sempre vinculadas a mesas e pratos, com certeza alguma delas vai avivar no leitor a memória de um prato diferente do apresentado pelo autor - inclusive a Virginia deixa no final algumas páginas em branco para o leitor mesmo escrever suas próprias lembranças saborosas. Outra coisa legal no livro é ter acesso às mais estranhas receitas de família. Aquelas que aprendemos a fazer e comer só porque todos os nossos antepassados tambem o fizeram.

Enfim, é um livro muito bacana que conseguiu reunir de maneira ecumênica um monte de histórias engraçadas, bizzarras ou tristes que de alguma forma estão ligadas a um cheiro ou sabor.
O único problema do livro é que não é fácil encontrá-lo. Se alguém se interessar é só pedir o email da Virginia que eu mando.

Eu colaborei com o lado divertido e com uma receita tradicional:

Era um domingo e o Can Majó, um dos mais tradicionais restaurantes de
Barcelona, deveria estar lotado. Subi a escadinha da porta sem esperanças de poder sentar em menos de uma hora. E foi o que aconteceu. O garçom anotou meu nome e resolvi dar uma volta para passar o tempo. Quando abri a porta para sair dei de cara com uma mulher vestida de noiva que, depois do susto, vi que era uma grande amiga minha que se casara naquele dia numa festa só para a família dos noivos. O que não sabia era que havia um salão reservado no naquele restaurante para a celebração. Quando ela, tão surpresa quanto eu, me viu abrindo a porta abraçou-me e disse:

- Sabia que o Joan não ia deixar de te convidar! Que bom que você veio.

O noivo me disse mais ou menos a mesma coisa, pensando que sua esposa
havia me convidado, enquanto me abraçava no caminho para o reservado. Sentamos todos numa grande mesa redonda e comemoramos com muito cava (o champanhe catalão) e esse maravilhoso prato que lhes dou a receita a seguir:

Suquet de Peix Can Majó (quatro pessoas):

4 filés de Tamboril cortados em pedaços grandes
4 Lagostins cozidos
4 Camarões grandes
400 gramas de lulas limpas
300 gramas de vongoles (alguns na casca)
200g de batatas
200g de cebola picada bem fina
2 colheres de sobremesa de alho triturado bem fino junto com salsinha
300g de tomates triturados sem pele nem sementes
1/2 litro de caldo de peixe
3 colheres de sopa de allioli (veja abaixo)
Farinha de trigo
Sal

Para começar corte as batatas em rodelas não muito finas e frite numa panela com azeite. Quando estiverem douradas retire-as e coloque em um prato com papel absorvente. Refogue o tomate nesta mesma panela até pegar um pouco de cor.
Em outra panela refogue a cebola no azeite e quando comece a dourar coloque a mistura de alho e salsinha picados. Misture bem e coloque as lulas cortadas em anéis. Quando tomarem cor incorpore o tomate refogado. Um minuto depois, mexendo sempre acrescente o caldo de peixe e as batatas reservadas. Misture tudo delicadamente, coloque os vongoles e deixe cozinhar um pouco mexendo de vez em quando.
Enquanto isso tempere os filés de tamboril com sal e passe na farinha de trigo. Frite os files em azeite e depois coloque na panela onde estão as
lulas e as batatas junto com uma colher de allioli.
Para terminar salgue e frite os camarões descascados na mesma frigideira onde você fritou o peixe.
Quando estiverem prontos coloque na panela com o suquet. Acrescente os lagostins e leve à mesa com o resto do allioli numa tigela separada. Come-se em prato fundo com uma colher de allioli em cima e um bom pão
acompanhando.

Para o Allioli

5 dentes de alho grandes
1 ovo grande
1 colher de chá de sal
1 xícara de azeite de oliva

Triture o alho e o sal juntos até que formem uma pasta. Num processador de alimentos bata o ovo por 30 segundos e depois adicione a pasta de alho e sal. Vá adicionando o azeite pouco a pouco até que a consistência se pareça a de uma maionese. Cubra e refrigere por uma hora antes de servir. Faz uma xícara e meia e pode ser guardado na geladeira por até uma semana
.

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2.3.06

Os meus clássicos

Conforme prometido, segue minha listinha de dez pratos que considero clássicos do restaurantismo e das mesas carioca. Aqueles que cresci vendo nos cardápios e comendo em casa. Não estão em ordem nenhuma:

1- Estrogonofe - Para mim é o clássico dos clássicos. E por isso mesmo foi mexido e remexido das mais diversas formas. Usaram seu nome para coisas que nem de longe se parecem com um verdadeiro estrogonofe. Para vcs terem uma idéia, ontem vi no cardápio de um restaurante o "Estrogonofe Vegetariano" feito com queijo tofu no lugar da carne.....

2- Boeuf Bouguignonne - Pareceu transmissão de pensamento quando vi na tv o Troigros falando sobre pratos clássicos que raramente a gente vê nos cardápios e fazendo um deles: exatamente o Bouef Bourguignonne que é um daqueles pratos de uma panela só que eu gosto tanto.

3- Vitela Tonné - Esse é das antigas mesmo. Ainda aparece em alguns poucos cardápios mas, como outros pratos, já sem o brilho que merece.

4- Tartar Steak - A versão russa do kibe cru já foi bem popular, mas acabou perdendo espaço para outro prato de carne crua mais versátil e que também já é um clássico, o carpaccio.

5- Coquetel de Camarão - Talvez esteja empatado com o estrogonofe no quesito popularidade. Não havia restaurante ou festa que não o oferecesse. Quando bem feito é leve, refrescante e muito saboroso. Mas hoje em dia é difícil de encontrar algo diferente de molho rosé com camarões cozidos....

6- Buillabaisse - Tem pouco de popular, talvez por não ser um prato muito barato, mas é sem dúvida um clássico dos pratos de peixe. Se alguém conhece algum restaurante que a sirva, favor avisar.

7- Coq au Vin - Chique até no nome, não podia faltar nas boas mesas. Foi tão desvirtuado que praticamente desapareceu.

8- Steak au poivre - Esse é dos poucos que não sumiu nem se escondeu. Continua firme e forte em diversos cardápios das mais diferentes casas, o que não tira dele a insígnia de clássico.

9- Filé de Peixe à Belle Meunière - Este sofreu muuuuito, coitado. Seu nome já foi traduzido, torcido e escrito das mais diversas formas. Sua receita então, nem se fala. Hoje esse prato pode ser praticamente qualquer coisa com peixe e um molho branco qualquer. Na versão que entendo como original é um delicado filé de peixe branco frito na manteiga que depois se transforma em seu molho.

10- Frango à Kiev - Outro prato que ainda se vê por aí mais ou menos adulterado. O Kiev clássico para mim é aquele peito de frango empanado, receheado de manteiga que derretida se espalha no prato quando o frango é cortado. Parece até um petit gateau de frango- ou um babaloo, como diria meu sobrinho.

Sobremesas merecem um post exclusivo.

Como a memória já não ajuda muito, para me ajudar com esses clássicos, recorri a um livrinho do Silvio Lancellotti, Cozinha Clássica. Lá, ele lista não só pratos clássicos como conta a história e dá, o que no seu entender, é a receita original de cada um. Recomendo.

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1.3.06

Carioca catalão?

Se alguém leu meu post Less is more... talvez não tenha entendido por que este blog se chama Bistrô Carioca se explico que minha linha, meu estilo - se é que tenho isso - vem da culinária catalã, lá do outro lado do atlântico. Eu explico: apesar de achar que não existe uma culinária tipicamente carioca como existe a mineira ou a bahiana, vejo que o Rio tem sem dúvida um estilo de comer. Vejo que, sem abrir mão da qualidade, o carioca quando senta à mesa gosta mesmo é de comemorar. Basta juntar um chope e uns bolinhos de bacalhau ou aipim que a mesa se transforma num banquete onde a diversão tem o mesmo peso da comida e da bebida. Não precisa de grandes elaborações nem de um monte de pratos. Simplicidade e alegria em volta da mesa. Aqui como na Catalunya, sacou?

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