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16.12.07

Sorvete de ovos com bacon!?!

O restaurante Fat Duck briga todo ano cabeça a cabeça com o El Bulli pelo título de melhor do mundo. Seu chef, o inglês Heston Blumenthal, leva ao extremo esse novo conceito que uma refeição contemporânea num restaurante estrelado deve ser mais que uma refeição, deve ser uma experiênca que mexe com todos os sentidos. Ele chega a mandar para a casa ou hotel dos seus clientes saquinhos com aromas para serem cheirados antes de comer no seu restaurante. Em termos mercadológicos, Blumenthal está um pouco abaixo - ou acima, depende de se isso é bom ou ruim - do seu colega catalão que não perde uma oportunidade de colocar seu nome em produtos menos gastronômicos como batatas fritas, cafés e hambúrgueres. Mas no quesito invencionices-extremas-que-são-levadas-a-público (se o cara serve um sorvete desses como sendo algo bacana, imagine o que ele já inventou e escondeu), o inglês se supera.



Há algum tempo escrevi um post aqui perguntando se esse tipo de invenção é mesmo necessária para se consagrar como um chef criativo ou se isso é muito mais uma ação de marketing para se promover na mídia. Fica parecendo aquelas pseudo-celebridades que saem na rua sem calcinha - e fazem questão de mostrar isso - para que a mídia não se esqueça que elas existem.
No caso do Fat Duck, apesar de estar sempre nas listas de melhores do mundo, parece que esse exagero de marketing está atrapalhando o resultado do que chega à mesa de quem come lá. Veja o que Rogério Fasano, numa das melhores críticas que já li sobre um restaurante (no melhor estilo Bárbara Heliodora), disse sobre sua visita ao Pato Gordo no começo desse ano e publicada no caderno Paladar do Estadão em maio:

Desde criança, sou daqueles conhecidos como "do contra". Basta inventarem uma nova tendência ou modismo que procuro uma ponte - para passar por cima. Esse jeito de ser me faz invariavelmente adepto doditado "não fui, não vi e não gostei". Por isso, demorei tanto tempo para tomar conhecimento da chamada "atual modernidade gastronômica". Resolvi começar pelo que os aficionados desse tipo de cozinha consideram o mais ousado do mundo, o Fat Duck, a uma hora de Londres.

A cidade é Bray; o lugar, um antigo cottage, arquitetonicamente charmoso, mas destruído por cinco quadros supostamente modernos, que fariam Picasso franzir a testa. Vamos ao que interessa: Antipasto 1: nitro chá verde e mousse de limão. Uma espuma de limão extraída de um sifão é jogada dentro de um pote com nitrogênio a 150 graus negativos, tornando-se imediatamente sólida, a comida vapt-vupt. O efeito? Quase nulo. Apenas amortece um pouco a língua; se soubesse o que viria pela frente, teria comido estas bolinhas como pipoca, para amortecer de vez o palato. Antipasto 2: Ostra com molho de maracujá em mousse de gelatina. Gostaria de deixar aqui uma pergunta: existirá no universo algum tipo de molho que melhore uma ostra? Duvido. O nosso era um desses molhos que a nova cozinha tanto adora. Fico imaginando quem foi o sujeito que inventou que a comida gourmand tem que ser agridoce. Guilhotina nele. Antipasto 3: Sorvete de mostarda com gaspacho de beterraba. Desfrutamos o gaspacho de beterraba, com um insípido pãozinho servido frio. Quanto ao sorvete de mostarda, é exatamente o que se pode imaginar de um sorvete de mostarda. Estranhíssimo. Antipasto 4: Pequenas geléias de sabores variados, que não consigo descrever, e cuja matéria-prima ninguém conseguiu identificar. Antipasto 5: Pequenas torradas com trufas pretas. Excepcionalmente, são sólidas e normais na aparência. Chegaram a ser negociadas a peso de ouro, mas ninguém vendeu as suas. Mesmo sabendo, nós e o Sr. Blumenthal, que as trufas encontradas nesta época do ano são as piores que existem. Gostaria de fazer aqui um aparte: trufa é algo sublime que costuma mudar para melhor quase tudo aquilo que toca. Não confundir com óleo de trufa, que costuma ter o efeito contrário: destrói tudo e parece feito pela Esso, pois tem gosto de gasolina.

1º prato: Escargots com presunto espanhol e erva doce "barbeadas". Muito saboroso. 2 º prato: A quantidade de açúcar que acompanha o foie gras com cereja e camomila nos trouxe de volta à realidade. 3 º prato: Chamado sound of the sea; um espuma branca de textura estranhíssima, com uma espécie de areia-farofa servida ao lado. E acompanhada de quê? De um iPod. Sério! Todos nós recebemos o aparelho, que fomos obrigados a usar, e que reproduzia barulhos do mar. Detalhe: o meu tinha uma camada extra de cera no fone de ouvido, deixada pelo último comensal. Fingi que não percebi e coloquei o meu, afinal de contas as pessoas vão ao Fat Duck para aplaudir, não para reclamar. Fica aqui uma sugestão, seria muito mais higiênico e faria o mesmo efeito, uma concha marinha. Após retirarmos o iPod, Regina comentou: "Estive mês passado no que é considerado o restaurante mais antigo do mundo, que serve assados em Madri". A mesa quase veio abaixo. A curiosidade voltou-se toda para oque Regina havia comido. Isay, eu e Ana comentávamos o excepcional jantar que tivemos no Harry's Bar de Londres, um clube privado, que serve cozinha italiana, na síntese da modernidade: rústica, porém delicadíssima. 4 º prato: Já estava perdendo a paciência com nosso amigo Pato Gordo quando chegou um salmão pochê com aspargos, alcaçuz e grapefruit. Sem exageros, considero o pior salmão que comi na vida. Último prato: Excepcional costeleta de carneiro, porque estávamos na terra do melhor carneiro do mundo, mas era servida com um molho doce, muito doce.O Fat Duck é quase uma confeitaria, que serve alguns salgados.

Meu jantar aqui chegou ao fim. Pulei os doces, pois já tinha comido açúcar demais. Assim fez também Drauzio, que não come açúcar e já tinha ingerido sua dose pelos próximos 20 anos. A sobremesa mais famosa do lugar é um sorvete assim descrito: "nitro-ovos mexidos e sorvete de bacon". Se o sorvete de mostarda já tinha sido duro, o que fazer então com a versão em bacon? Os outros à mesa receberam o sorvete, mas apenas o tocaram, o que deixou os maîtres um pouco indignados. Não nos importamos muito, pois sabemos que nesses restaurantes, na grande maioria das vezes, o serviço é insuportável. Desde que alguns chefs foram elevados à categoria de diretores de cinema, seu staff age como coadjuvante degrandes estrelas. Eles se sentem contracenando com Marlon Brando ou como assistentes de câmera de Stanley Kubrick. Exceção feita a um simpático irlandês, ruivo, que a cada esquisitice servida à mesa, com muita ironia, após dez minutos de explicação de cada prato, nos dizia: enjoy it! Como os recepcionistas da casa dos horrores. Olhei para Isay - arquiteto moderno, antenado, culto, contemporâneo, enfim, entre os grandes - e entendi o que ele sente quando esta arquitetura feita com formas esdrúxulas é considerada moderna.

The end: a conta, 1.300 libras ou R$ 5.600, incluindo uma minúscula taça dos seguintes vinhos e saquê: Iphofer Kronsberg Silvaner SpatleseTrocken 2005; Vin de Pays des Côtes Catalanes, Le Soula, Roussillon;Vinoptima Gewürztraminer Reserve Gisborne; Rashiku Ginjo-SakeYamatogawa; Quinta da Falorca Reserva Dão; Barolo, Nei Cannubi Luigi Einaudi. Voltamos ao nosso motorista, mais inglês impossível, e acostumado a levar pessoas ao Fat Duck, que com muito sarcasmo pergunta: "Any good?" Isay de bate pronto: "No". Motorista: "Lots of people say that". Penso: nem tudo está perdido.(PS: Se você quiser passar pelo mesmo tipo de refeição, a espera é de aproximadamente dois meses.)

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