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16.12.17

Saudável quem, cara pálida?

Na última premiação dos melhores da gastronomia no Rio da revista Época, na categoria de restaurantes saudáveis todos os votos foram para restaurantes vegetarianos. O menos vegetariano do votos foi no Celeiro, uma das mais antigas e tradicionais casas de saladas da cidade.
É uma enorme mérito dos 3% da população adeptos do vegetarianismo terem conseguido transformar sua opção de dieta restrita em sinônimo de saúde completa. Não vi quando isso aconteceu, quando a maminha da Majórica, o passarinho do Galeto e o bacalhau do Alfaias que alimentam gerações deixaram de ser considerado saudáveis.
Mas no mundo real nunca se produziu e comeu tanta carne, peixe e ovos e ao mesmo tempo nunca fomos tão saudáveis e bem alimentados. Morremos menos e mais velhos. Como pode?
No Pinterest acontece coisa parecida. Na sua lista de tendências de comidas para 2018, a maioria das previsões é ligada a essa mesma alimentação melhor e cheia de substitutos saudáveis para aquilo que 97% do mundo come. Nesse caso a previsão é baseada no aumento de pins e boards de assuntos como air-fry, proteínas vegetais e ghee. Todos representando a busca por essa alimentação "mais correta" e sem culpa que nos está sendo empurrada como também mais saudável, embora a realidade insista em contradizer.
Absolutamente nada contra quem se sente melhor comendo o que quiser. Alface, bacon, aveia e ostra, tanto faz. Tudo contra reduzir alimentação saudável ao momento, moda, tendência que o mercado pede.
Então, do contra que sou, aviso logo que se ano que vem me chamarem para eleger o melhor restaurante saudável do Rio, meu voto pode acabar causando enjoo aos mais sensíveis e politicamente corretos.
Links nos comentários.

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5.12.17

Mesa pra um, sem Instagram nem filas ou fique em casa


Quem me acompanha no Panora já leu muito sobre como a sociedade está se tornando cada vez mais urbana, os motivos desse movimento, suas consequências, oportunidades e desafios.
Mas essa sociedade cada vez mais urbana é também cada vez mais conectada e, ao contrário do que possa parecer, apesar de estarmos vivendo cada vez mais perto uns dos outros isso não significa mais interações físicas entre pessoas. Não vou entrar no mérito de se isso é bom ou ruim, é apenas mais uma característica da sociedade que estamos construindo.
Um desses comportamentos que ratificam essa tendência é que há cada vez mais gente comendo sozinhas em restaurantes. Sozinhas, mas com seus smartphones conectando-as com amigos, trabalho e família. Como você está vendo, a definição de “sozinho” também está sendo atualizada.
O Telegraph fez uma matéria sobre o assunto falando que aquele tabu de comer sozinho já não existe mais, que reservas para um cresceram 38% nos últimos anos e que 25% veem o smartphone como um acompanhante legal nesses momentos. Claro que essa taxa sobe, para 34%, entre os jovens até 24 anos e cai entre os mais velhos. Mas uma coisa é fato hoje: você nunca está sozinho com um smartphone.

Filas de restaurantes monitoradas pelo Google

E esse smartphone companheiro sempre presente nos restaurantes, seja sozinho, seja em grupos está ajudando também quem não está no local.



O Google acaba de lançar um serviço que estima o tempo de espera nas filas de restaurantes. Baseado em dados históricos de seus usuários no local, através do Google Maps agora é possível ver quanto tempo você vai mofar, sozinho ou não, para comer.
Um milhão de restaurantes já estão no serviço que é mais uma ferramenta ajudando o consumidor na sua decisão de compra e na valorização do seu tempo, além de não precisar mais confiar quando a hostess diz que faltam dezoito mesas, mas que é rápido.

A experiência de cada um

Outra ferramenta onipresente que está mudando muito a forma como escolhemos onde comer, começa a incomodar alguns donos de restaurantes. Cansados dos excessos cometidos por clientes ao tirar fotos dos pratos e ambiente para publicar em redes sociais, algumas casas estão simplesmente proibindo fotos em geral. A justificativa passa pelo desvirtuamento da experiência que essas casas se propõem a oferecer. Alguns dizem que o cliente demora tanto nas preliminares fotográficas que acaba comendo frio e depois reclamando nas mesmas redes sociais.
Mais um exemplo desse limbo que tanto falo. Enquanto alguns restaurantes pensam tudo em função da foto que seu cliente vai tirar e publicar, outros preferem que o cliente não tire foto nenhuma em nome da qualidade do que está sendo servido.

Restaurantes virtuais

Mais uma consequência do crescimento das cidades relacionado com a comida é uma oportunidade.
Apesar do aumento das mesas para um nos restaurantes, muitos consumidores ainda preferem não sair, preferem que a comida venha até eles em casa ou no trabalho. Isso fez surgir serviços como o iFood e o Uber Eats que oferecem essa comodidade em parceria com milhares de restaurantes. Esse comportamento do consumidor faz agora surgir outro tipo de “restaurante”, aquele que só existe no app, com uma marca e um menu que o cliente não encontra em outro lugar e que pode estar em qualquer lugar.
Esses novos restaurantes resumem-se a cozinhas, que podem ser compartilhadas por diversas marcas, entregando pratos exclusivamente pelos aplicativos. Faz todo o sentido.
Os chamados restaurantes virtuais podem também acontecer dentro de restaurantes reais para rentabilizar espaço, mão de obra e operações existentes sob uma marca diferente que só existe no app e nas embalagens de entrega.
Com custos menores ou amortizados, eles podem oferecer a mesma qualidade com preços e margens melhores do que a média. Todos ganham.

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25.10.17

Ella, a pizza

É sempre bom entrar em um restaurante e sentir o ambiente renovado, sem nenhum ranço da casa que estava ali pouco tempo atrás. Foi o que aconteceu comigo quando fui conhecer a Ella, a nova pizzaria no Jardim Botânico que abriu onde rapidamente foi o Ró. O lugar mudou pouco, mas a sensação é completamente diferente, principalmente pelo cheiro.

Comandada pelo fera Marcos Cerutti, dono do melhor pão do Rio na SpA Pane, e pelo pessoal do vizinho Puro, a proposta da Ella é fazer uma engenharia que permita oferecer uma percepção perdida por aqui nos últimos tempos, equilíbrio entre qualidade e preço, o famoso bom e barato, no menu e na carta.

A Ella é levemente iluminada com um tom amarelo fogo que combina com o aroma do forno à lenha no fundo do salão. Do bar pedimos um negroni e um boulevardier que, como qualquer drinque, são incomuns de encontrar em pizzarias. Mas a Ella herdou um belo balcão onde serve esses e outros clássicos além de criações próprias, como um bloody mary feito com o molho de tomate da pizza. Genial.

Nos pratos começamos pela burratta cremosa com foccacia de tomates, brotos e pesto de PANCs que estava perfeita. Ligeiramente morna, derrete sobre o pão. A partir de agora só como burratta assim, morninha.

Ao lado tínhamos o que já é um clássico do novíssimo restaurante, bordas para molhar o bico. São palitos grossos da melhor massa de pizza assados individualmente e acompanhados de três molhos: pesto, creme azedo e tomate. Excelente sacada que de tão simples fica óbvio porque ninguém tinha feito antes. Foi quando os drinques terminaram e olhei a carta de vinhos que não chama a atenção pelo tamanho, o que é bom.

Enxuta, chama atenção mesmo pelos preços. O vinho mais caro custa pouco mais de cem reais. Há nacionais, italianos, argentinos e chilenos para todos os gostos. Tomamos um branco espanhol de Toledo bem leve que animou para o prato que chegou junto com ele.

Eram mais pedaços de borda de pizza, dessa vez recheados de queijo e acompanhados de um outro pesto, de ricota, alho e noz moscada, que lembra um alioli bem suave no visual e na boca. O prato não está no menu, mas deveria. Vários sabores bacanas que juntos fazem muito bem ao coração. Classifico fácil como comfort food.

Já íamos pedir um repeteco quando chegou a pizza.

Claro que a escolha foi pela mais básica, pois é no simples que a qualidade tem que aparecer. Borda alta, muçarela de búfala e manjericão sobre um molho de tomate para comer de colher. Deu até vontade de provar o bloody mary da casa. Do tamanho de um prato grande, feita para comer com as mãos, massa leve, mas firme, fina, mas presente e as famosas bordas como arremate, foi a melhor pizza que provei nos últimos tempos e me lembrou a surpresa de quando comi na Capricciosa pela primeira vez quase vinte anos atrás. Quando novo um sabor te remete a outro completamente diferente é sinal de que foram ambos marcantes. É exatamente esse o caso.

A casa traz uma renovação natural e necessária nas pizzarias da cidade, não só pela sua massa e seus sabores, que são absolutamente clássicos por mais paradoxal que isso posse parecer, mas por trazer de volta um prato tradicionalmente acessível ao paladar e ao bolso que vinha sendo abusado por arroubos de criatividade cobrados nos preços.

A Ella conseguiu se diferenciar voltando ao básico, ao simples, trazendo de volta o protagonismo do conjunto redondo e não dos toppings (bleargh!) que domina a oferta de pizzas na cidade. Vida longa pra Ella, que já merece uma filial 😊
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Em 2006 eu já falava sobre novas e velhas pizzas na cidade, leia aqui.

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15.10.17

Se minha rua comesse

Modinhas gastronômicas têm seu valor. São elas, às vezes, que mexem com o mercado, instigam empreendedores e fazem surgir bares e restaurantes ao redor de um tema. As mais recentes e fáceis de perceber são de bares de cervejas artesanais e hamburguerias. Quando a moda acaba, algumas dessas casas ficam, outras passam para a próxima ou daqui para uma melhor. Adoro hambúrguer, mas detesto modinha.

Talvez tenha sido por isso que escolhi a Rua Maria Angélica para morar. Ela é talvez a rua mais consistente em matéria de comida da zona sul. Desconheço outra que ofereça há tanto tempo tantas casas tão variadas e de qualidade do que a minha rua. Nem dá para comparar com a Dias Ferreira como você vai ver.

Desde que me lembro, essa personalidade gastronômica da Maria Angélica começou com o finado Pantagruel do Zé Fernandes, dos melhores restaurantes da sua época e com a Adega do Porto, português tradicional que ainda está por aqui. Pouco depois vieram o Bem Feito da Margarida e o Quadrifoglio da Silvana, que duraram bem menos do que mereciam. E ainda tinha a Ondinha, doceria clássica como existem poucas hoje. No final dos anos 90 veio o Fazendola, o primeiro “quilo gourmet” da cidade que se instalou na galeria que tinha o Mr. Pizza, uma das primeiras franquias de pizza da cidade. Já no século passado, a rua era um oásis para bocas e bolsos.

Hoje continua assim. Em pouco menos de 300 metros a Maria Angélica oferece desde um boteco muito raiz até o chinês do Eike, importado de NY e das mais elegantes casas da cidade. No total são quatorze bares, restaurantes e lanchonetes num mix difícil de encontrar em outro lugar. Veja só.

Na esquina com a Lagoa o imponente Mr. Lam, com seu cardápio sino-ocidental, nos apresentou um chinês bem diferente do que estávamos acostumados a ver por aqui. Meu prato favorito lá não é famoso pato laqueado, mas o Crispy Duck, e se você tiver a oportunidade de visitar a cozinha, não perca. As turbinas a gás que eles chamam de fogões são impressionantes.  Ao lado está a Capricciosa, outra que mudou conceitos por aqui e onde prefiro a burrata fresca e o shitake grelhado às pizzas. As duas casas têm boas cartas de vinhos, a da pizzaria um pouco puxada nas margens. Logo adiante, há 35 anos está a Adega do Porto servindo aqueles clássicos pseudo portugueses num ambiente muito simples. Vou lá comer bolinho de bacalhau e tomar um chope que são bem honestos. Chinês chique, pizza DOC e portuga básico só no primeiro quarteirão.

Atravessando a Alexandre Ferreira damos de cara com um dos restaurantes mais cariocas da cidade. O Gula-Gula na esquina da Praça Sagrada Família é aquele porto seguro. Tem sempre alguma novidade ao lado dos pratos que não saem do menu. Quase em frente está a La Carioca do Marcos, cevicheria que sobreviveu à moda, se renovou e tem sempre bom movimento. Nada que se compare à casa mais movimentada da rua, onde a fila começa antes dela abrir. A Bráz é um fenômeno bacana; salão enorme, ótimo atendimento, pizzas criativas sem invencionices e bom preço são uma receita imbatível que causa engarrafamento no horário de maior movimento. Mas como eu vou a pé...

A partir daí começa o lado mais pop da rua. Sra. Pizza – transgênero que um dia já foi Mr. Pizza – e Miss Refeição, que serve PFs variados a preço fixo, são duas lojas com mesas na calçada que atendem um público diverso há muitos anos. Comida honesta e o olho do dono, sempre presente, são responsáveis pela longevidade das duas casas.

Onde já tivemos o Dom Escracho – bar ao ar livre cujo nome define bem o espirito – e o lindo Nakombi, que durou pouco e na minha opinião tinha uma proposta desconectada com o perfil carioca, está o vacilante Frontera, quilo e rodízio de pizzas que já foi decente e hoje precisa com urgência de uma renovação completa.

Como toda boa rua gastronômica, a Maria Angélica tem também sua caveira de burro. Onde já foi um boteco xexelento, uma livraria café e um japonês decente, há um restaurante fechado há quase dois anos. Não sei como ainda não abriram uma hamburgueria com cerveja artesanal lá. É o que falta por aqui. Colado nele está A Padaria, que já foi Le Pain du Lapin. Com os melhores pães da região, alguns queijos, vinhos e pratos leves, tem público cativo a qualquer hora do dia, principalmente no café da manhã.

Pé-sujo antigo na região, o Bar Rebouças tem uma frequência variada e fiel, garçom famoso, cerveja gelada e petiscos básicos. A casa parece ter mais do que os sessenta anos no local. Há tempos não tenho idade para frequentar, mas já botei muita cerveja na conta que meu falecido porteiro Manoel tinha lá. Morreu de infarto, antes que vocês pensem outra coisa.

O Manoel com certeza não teria conta no Pin-Pin Lanches, loja da cadeia de lanchonetes viral na zona sul que está na esquina com a Jardim Botânico. Maior quebra galho, mistura sucos e sanduíches naturais com pizzas e salgados de boteco num mix raro de se ver. Dizem que a rede é de um antigo garçom da Guanabara que ficou rico e toca o negócio do interior de Alagoas. Não duvido.

No último quarteirão comercial da rua, já subindo o morro, estão outra lanchonete, franquia da Mega Matte, e um japa, o Okawari, que é uma incógnita para mim. Não gosto de mate, então nunca parei na lanchonete, mas gosto de japonês e tampouco entrei no Okawari porque ainda não confio totalmente no lugar. Já o vi vazio vezes demais para ter segurança de comer cru por lá. Implico com japonês vazio.

Então é isso, quatorze casas para todos os gostos. Décadas de gastronomia, alimentação e bons serviços prestados ao bairro, a Maria Angélica é muito melhor do que a Dias Ferreira. Menor, mais exclusiva, mais tradicional, muito menos hype. Mas por favor, não conte para ninguém. Exceto para alguém que queira abrir uma boa hamburgueria, afinal de contas nem só de tradição, variedade e consistência vive um gourmand.

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20.9.17

Crítica, referência e overposting



O mundo está mudando tão rápido que a gente não percebe mais quando novos comportamentos assumem o lugar de outros que eram tidos como normais, comuns. Hoje há um novo normal a cada semana.

Tenho o Bistrô desde 2006. Minha proposta aqui é escrever textos mais ou menos longos sobre comida. Falo de pratos, ingredientes, refeições, bebidas, restaurantes, histórias e pessoas que realmente fazem parte do meu dia a dia. Critico, elogio, reclamo, exponho e compartilho experiências e ideias com a profundidade que meu intelecto e meu paladar permitem. Ganhei até algum elogio de gente que admiro pela forma e pelo conteúdo do que eu cada vez menos publico aqui.

Escrever dá trabalho. Escrever contando uma história que ao mesmo tempo seja palatável e informativa, mais ainda. A boa crítica gastronômica ou de restaurantes sempre foi conhecida por textos ricos que reproduzem experiências e sabores, mas principalmente por opiniões fundamentadas por anos de mesas e copos. Gente como Apicius, Ruth Reichel e Francois Simon eram amados e odiados exatamente por entenderem do que escreviam. Eram referências respeitadas por restaurantes e seus clientes pelo conhecimento profundo que compartilhavam em seus ótimos textos. Eram. Hoje as referências gastronômicas vêm de uma foto no Instagram.

Percebi esse novo normal na crítica gastronômica só esse ano, na apresentação de outro novo normal, a cerveja artesanal: as pessoas no evento não perguntavam onde eu escrevia, mas sim qual era meu Instagram. Depois de décadas comendo e bebendo e anos sofrendo para escrever regularmente sobre isso, o que as pessoas querem de mim hoje é uma foto de um prato numa tela de 5 polegadas. Com raras exceções, a referência gastronômica que faz diferença agora não vem mais do conhecimento, mas da beleza de uma imagem. E antes que digam que uma imagem vale mais do que mil palavras, alguém que lia seus textos consegue imaginar o Apicius postando no Instagram?

Ranzinza e jurássico, me chamam disso todo dia, mas não deixo de lamentar que textão virou uma referência negativa, que bons críticos estão trocando o texto por fotos, restaurantes trocando crítica construtiva por likes e que clientes estão buscando informações do que comer com quem parece ter mais prazer na foto do que na mesa. Não sei quando isso aconteceu nem quanto vai durar, só estou achando que o normal dessa semana está demorando demais para passar.
BTW, meu Instagram é @pacotorras.

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24.11.16

Verdes, jovens e maduros

Como todo mundo que compra vinho em supermercado deve ter percebido, de uns anos prá cá houve um aumento significativo na oferta de bons vinhos portugueses a bons preços. As razões podem ser várias, desde a crise na Europa até a melhora na percepção de que vinho português pop pode ser mais do que Dão, Periquita e Mateus. Essa percepção vem sendo (re)construída pelos produtores e importadores, talvez por necessidade, e nós saímos ganhando com isso. Eu já dei a largada.
Nunca entendi por que o brasileiro, e o carioca em especial, nunca foi ávido consumidor de vinhos verdes portugueses. Desconfio que é por causa do péssimo nome dessa denominação de origem que remete, para nós, a um produto que não está pronto, não está maduro. Uma pena, pois tratam-se de vinhos que são tão bons para nosso clima que até a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes percebeu isso e está promovendo sua divulgação por aqui.  Outro dia provei sete deles e saí inebriado com a versatilidade e frescor desse vinho que tem tudo para dar muito certo com os cariocas e sua gastronomia.
O primeiro foi um QM Alvarinho 2015 pouco seco e sem muito daquele pique que a gente tem na memória desses vinhos do Minho. Vinho simples e leve, sem grandes pretensões. Seguimos com um Quinta de Linhares 2014 com muito mais corpo e sem nenhuma nesga de mar tão comum nos verdes. Importado pela Premium chega aqui por um preço final tão bom que poderia estar em qualquer restaurante ou bar português da cidade representando com dignidade os vinhos da terrinha.
Um dos melhores vinhos da tarde foi o Aphros Daphne Loureiro 2011 que apesar do nome difícil é muito fácil de beber e que no primeiro gole pode passar até por um riesling antes de aparecer toda sua mineralidade. A Wine Lovers vende aqui.
O vinho mais próximo de um alvarinho tradicional, pelo menos na minha boca, foi o Ponte de Lima 2015, também de Loureiro, seco, cítrico e vivo como eu gosto. Pena que ninguém ainda traz ele prá cá. O Quinta do Regueiro 2012 que provamos depois é um vinho extremamente versátil, com corpo, acidez e nariz que confirmam que de verde só o nome. Vinho jovem, mas pronto e acabado que a Winemundi importa. Não perca a conta, faltam ainda duas garrafas.
A essa altura eu estava pensando que o Minho só é bom produzindo vinhos jovens e sem poder de guarda, quando a Gabriela apresenta o Portal do Fidalgo 2006. Kapow! Que vinho. Com 13,2% foi mais alcoólico e o melhor verde que provamos. Sem passar por madeira, manteve nesses dez anos todo o frescor dos jovens e ganhou uma complexidade que é ampliada depois de alguns minutos no copo. A Casa Flora tem o 2013 se você tiver paciência para guardar.
Para finalizar o evento na Bottega del Vino, além da companhia do Dionísio Chaves, um dos mais importantes sommeliers do Brasil e dono da casa, a sobremesa foi acompanhada por um espumante Via Latina Rosé 2015 que não faz muito meu tipo. Sem contar o péssimo nome, morango e tutti-frutti não são os aromas e sabores que me fazem felizes num vinho.

Evento mais do que bacana não só para conhecer novos vinhos, mas para confirmar minha percepção sobre portugueses acessíveis depois do tapa na cara que levei provando um Quinta do Cidrô, chardonnay do Douro que está na carta do Bazzar desde sua abertura, há dezoito anos. Definitivamente cariocas precisam amadurecer e conhecer melhor os verdes portugueses.

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21.11.16

38 hambúrgers em uma semana no UOL Burger Fest 2016

Todo mundo já sabe que adoro um hambúrguer ao ponto de já ter comido um diferente por dia durante uma semana inteira.
Se você é como eu, essa semana que começa hoje foi feita para nós. Até dia 27 acontece o UOL Burger Fest com 38 receitas em 29 casas no Rio e em outras 20 cidades pelo país. Puta festival provando que pão com carne moída é uma preferência nacional.
No caso do Rio o curioso é que poucas casas especializadas no sanduíche estão participando - apenas uma das sete que provei nos meus sete dias de hamburger - mas vários restaurantes e bares tradicionais criaram suas versões especialmente para o festival. Ver casas como o Formidable, Deli 43 e o Emporio Jardim participando é sem dúvida uma surpresa. 
Se isso é apenas uma oportunidade ou se as receitas vieram realmente para ficar ainda vamos descobrir, por enquanto não podemos é deixar de experimentar.
Veja mais informações e a lista completa dos participantes aqui: http://burgerfest.uol.com.br/burger_fest/



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1.11.16

A tecnologia e o negócio da comida na nova sociedade

Há tempos queria juntar o Bistrô com o Panora, onde falo das profundas mudanças viabilizadas pela tecnologia que a nossa sociedade está passando. Este post tenta cumprir com isso.
No Panora a gente fala muito das mudanças que estão acontecendo ao nosso redor e de como elas têm tornado a vida mais fácil, barata e rápida. De como indústrias estão sendo destruídas e reinventadas, muitas vezes por empresários que não fizeram parte da criação ou do desenvolvimento histórico delas.
Mas também há iniciativas que se não são disruptivas, vêm sendo desenvolvidas dentro de demandas e oportunidades criadas pela sociedade e viabilizadas pela tecnologia. São serviços em média ou grande escala que complementam negócios que não seriam viáveis se desenvolvidos por cada empresa individualmente. E uma das áreas onde têm sido vistas as mais variadas inciativas é a de alimentação. Desde reservas em restaurantes até receitas rápidas, há de tudo.

Três fenômenos ajudam no desenvolvimento e crescimento de inciativas nessa área: o aumento da população urbana, do tempo passado em casa e o desejo de uma alimentação mais saudável.

Uma das iniciativas que estão tentando cobrir o desejo urbano de comer mais saudável e em casa é a Blue Apron, startup americana que oferece kits com a receita e os ingredientes para você mesmo preparar sua refeição no seu fogão. Em parceria com produtores e fornecedores selecionados e chefs competentes, a empresa cria menus e entrega aos assinantes de duas a quatro caixas por semana com ingredientes de origem controlada, frescos e na quantidade necessária para preparar as porções contratadas. A empresa não é boba e também oferece em paralelo um serviço de vinhos parecido.
Além de promover o consumo de produção local, viabilizar uma alimentação mais natural e saudável e criar uma legião de novos chefs caseiros, serviços como o da Blue Apron, que entrega cinco milhões de porções por mês, ao mesmo tempo que tem conseguido reduzir a quantidade de desperdício de alimentos nas áreas em que atua também causou um aumento no descarte de embalagens. Um trade-off que a empresa trata de tentar resolver utilizando embalagens recicláveis e biodegradáveis além de oferecer um serviço de recolhimento grátis das embalagens utilizadas sem o aumento da pegada de carbono. Uma ideia de negócio que inicialmente pode parecer simples, mas que precisa ser pensada nos mínimos detalhes para atender não só as necessidades do cliente, mas também a preocupação dele com a sociedade e o planeta.
Outra inciativa onde a tecnologia viabiliza menor desperdício de comida e alimentação mais saudável e barata é o TGTG, ou Too Good To Go – bom demais para jogar fora, em tradução livre. Criado em 2015 na Dinamarca e já presente em outros cinco países europeus, o TGTG é um aplicativo que disponibiliza no celular uma lista com pratos e ingredientes que não foram usados por restaurantes naquele dia e iriam para o lixo, embora estejam perfeitamente aptos para consumo. Basta escolher a comida, pagar pelo app e buscar no horário de fechamento do restaurante. Os preços são uma fração dos valores nos menus e há a opção de doar a comida para os mais necessitados. Como o Blue Apron, a embalagem criada pela empresa é feita de bagaço de cana de açúcar e, portanto, biodegradável.
Nos EUA, 31% da comida é descartada e no Reino Unido mais de 600.000 toneladas de alimentos são jogadas no lixo todo ano. Blue Apron e TGTG, cada uma à sua maneira, têm o desafio de diminuir esses números tão absurdos enquanto criam negócios social, financeira e ecologicamente sustentáveis. A tecnologia ajuda, mas não faz tudo.
Um fenômeno que tem a cara desse ser urbano, conectado, com pressa e querendo ser saudável, são os vídeos de receitas de um minuto ou até de trinta segundos que estão tomando conta das redes sociais. Impossível você não ter visto nenhum. Num mundo onde o tempo de atenção em qualquer coisa está cada vez mais curto, aquele um minuto do micro-ondas pode parecer uma eternidade para apenas requentar uma pizza. Queremos comer melhor nesse mesmo tempo!
Uma das iniciativas mais conhecidas é o Tasty do Buzzfeed que tem inclusive uma versão brasileira além da americana, britânica e da japonesa (pra mim a melhor). Muito bem produzidos, com a câmera olhando de cima e quase sempre usando apenas uma panela só, as receitas são apresentadas com poucas legendas, sem narração e de forma acelerada, reforçando a ideia de facilidade e simplicidade na execução. Pensado especificamente para o Facebook – não há versão web da página que também está no Instagram – e com mais de 100 milhões de seguidores, o Tasty foi a terceira página de vídeos mais acessada da rede social em setembro de 2016 com 1.66 bilhões de visualizações de seus vídeos. O Buzzfeed estima que 25% dos usuários ativos do Facebook assistam pelo menos um vídeo do Tasty todo mês. O Facebook tem 1.7 bilhões de usuários ativos por mês...Cooking Panda, Tastemade e Delish são algumas outras páginas de receitas de um minuto para os cozinheiros apressados. Veja esse risoto de abóbora com carne seca em 57 segundos.



Mas apesar de todas essas iniciativas propondo que a gente cozinhe mais em casa, as pessoas continuam saindo para comer fora, e diversas empresas estão propondo novas formas de ocupar as mesas dos restaurantes, usando a tecnologia, claro. O pioneiro nisso foi o Open Table, fundado em 1998 e hoje sentando mais de 20 milhões de clientes que deixam 750.000 comentários e opiniões por mês sobre os 37.000 restaurantes de vinte e um países atendidos pela empresa. Um colosso.
Mais do que facilitar o controle de reservas, esse tipo de serviço entrega ao restaurante parceiro valiosas informações sobre os clientes, hábitos de consumo locais, promovem ações para trazer clientes em horários e dias fracos, programas de fidelização, etc. Muito mais informações de forma muito mais estruturada do que uma pessoa atendendo o telefone é capaz de obter. E numa indústria como a de restaurantes onde as margens têm que ser muito bem cuidadas e a concorrência é ferrenha, não só de outros restaurantes, mas também de iniciativas como o Tasty e o Blue Apron, qualquer informação a mais sobre seu negócio e seu cliente é muito bem-vinda.
Da mesma forma que o Airbnb e o Uber abriram oportunidades para que qualquer um pudesse alugar seu imóvel ou carro de forma fácil e direta – a famosa economia do compartilhamento – o Eatwith quer que quem gosta de cozinhar possa abrir sua casa para receber convidados, exibir suas habilidades e, claro, ganhar dinheiro com isso.
A empresa fundada em 2012 criou um marketplace entre cozinheiros amadores ou profissionais e comensais que se encontram para compartilharem um evento social ao redor de uma refeição preparada exclusivamente para o grupo.
Antes de conectar as duas pontas, a Eatwith faz uma verificação prévia dos cozinheiros para garantir que eles possuem conhecimento e condições de receber os convidados em suas casas. Cada casa e menu são revisados pela empresa antes de serem publicados no site. Além disso os convidados são incentivados a avaliar a experiência depois que participam de algum dos eventos. Validação prévia pela plataforma e avaliação posterior pelo cliente são dois dos pilares que sustentam, diferenciam e valorizam os novos negócios desse tipo.
Poucas coisas são mais sociais do que compartilhar uma refeição. Seja cozinhando, pedindo em casa ou num restaurante, essas iniciativas todas mostram como a tecnologia pode muito bem ajudar a criar hábitos mais saudáveis, colaborar com o meio ambiente, ajudar negócios a crescerem e principalmente unir pessoas ao redor de uma mesa. Coisa melhor, não há.

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21.10.16

Dividir para conquistar também na cozinha?

Confesso que não reparei quando aconteceu, mas de um tempo prá cá, com pouca exceções, todos os programas culinários na TV viraram competições, batalhas, guerras e disputas. Transformaram aquela receita alegre, descompromissada, de fim de semana, em horas de lágrimas, sofrimento, decepção, inveja, derrotas e vitórias. Botaram até crianças para competir na cozinha. Aquele programa de sempre, onde a gente aprendia com os melhores a fazer um ou dois pratos bacanas, hoje é apresentado por modelos, atrizes e pseudo-nutricionistas. Os chefs fodões, com restaurantes estrelados, técnica impecável, criatividade e montagem perfeita viraram juízes, apresentadores, celebridades ou mentores sempre com cara de maus e longe das panelas.
Batalha dos Confeiteiros, Guerra de Cozinheiros, Food Truck – A Batalha (esse é super trendy), Hell’s Kitchen, Guerra dos Cupcakes e Nós Contra o Chef, são apenas alguns exemplos dos tipos de programas que temos hoje liderados por grandes chefs ou cozinheiros. Outros como Masterchef, Que Seja Doce ou Bake Off Brasil escondem o mesmo viés de reality competitivo em nomes menos belicosos. Claro que a cerveja artesanal não escapou e o Cervejantes faz uma disputa entre produtores caseiros que são julgados por um mestre cervejeiro e por bebedores amadores.
Nada contra um chef ganhar dinheiro e exposição julgando amadores num programa de TV, mas não parece um enorme desperdício? Você não prefere assistir o craque jogando? Eu babo vendo a técnica do Gordon Ramsey preparando um prato ou o quase descuido com que o Buddy Valastro cozinha em casa suas receitas de família. Os caras sabem exatamente o que estão fazendo. Outro desperdício, esse de tempo, é ver gente que não sabe segurar uma faca ou picar uma cebola querendo nos ensinar a cozinhar. Eu gargalho de nervoso quando vejo a Carolina Ferraz fazendo qualquer coisa no fogão.
Acho até bom ver gente como a gente cozinhando sob supervisão profissional, me identifico. Mas porque transformar essa diversão em competição, guerra, batalha? O Claude Troisgros conseguiu chegar num meio termo naquele programa onde o amador tentava na segunda parte reproduzir o prato que o Claude tinha ensinado na primeira parte do show. Era bacana, reproduzia o que a gente faz quando lê ou vê uma receita na TV. Mas no final o amador ganhava uma nota e todos os participantes de programas diferentes, preparando pratos diferentes, competiam entre si. Pra quê? Por que não fazer no final da temporada um grande almoço com cada participante levando seu prato?
Entendo que a TV esteja sempre em busca de novos modelos de programas, e os de culinária são das mais antigas e tradicionais atrações da telinha. Entendo também que reality shows têm um público e que juntar os dois faz sentido. 
O que não entendo é a necessidade da disputa, da batalha, do conflito ao lado da celebrização de excelentes profissionais da cozinha não pelos pratos que eles criam, mas por se transformarem em juízes e críticos de programas que colocam uns contra os outros numa atividade que historicamente sempre uniu as pessoas.
Talvez por isso as receitas em vídeos de um minuto sejam o novo fenômeno da internet que está acontecendo longe dos chefs, produzidas por profissionais ou amadores que preferem cozinhar por prazer, sem guerras. Mas esse é um assunto que irei tratar em breve no meu site sobre as tendências que estão mudando nossa sociedade, o www.panora.com.br.


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17.10.16

Cursos da Associação Brasileira de Sommeliers

Pra quem curte vinho, os cursos da ABS são fundamentais. Tem dois começando semana que vem.

O curso básico é indicado para quem deseja se iniciar no mundo dos vinhos. Não possui pré-requisitos e é aberto a qualquer pessoa interessada no assunto. As aulas acontecem uma vez por semana, e têm duração de sete semanas. 

Já o curso degustação de vinhos, é aberto a profissionais e amadores, tem duração de cinco aulas e só pode ser feito por quem já terminou o curso básico.


ABS FLAMENGO:

Básico de vinhos
Data: Início das aulas – dias 24 (segundas-feiras) ou 26 de outubro (quartas-feiras);
Horário: De 19h15 as 21h45. Turmas às segundas ou quartas;
Valor do curso: R$ 700 + R$ 25,00 taxa de matrícula. Inclui livro didático, apostila e os vinhos das degustações.

Degustação de Vinhos
Data: Início das aulas – dias 24 (segundas-feiras) ou 26 de outubro (quartas-feiras);
Horário Flamengo: De 19h15 as 21h45. Turmas às segundas ou quartas;
Valor do curso: R$ 545. Inclui apostila e os vinhos das degustações.

Local: Associação Brasileira de Sommeliers do Rio de Janeiro
Endereço: ABS-Rio Flamengo. Praia do Flamengo 66 bloco 2 sala 311.
Informações: (21) 2285-0497.


ABS BARRA:

Curso: Básico de vinhos
Data: Início das aulas – Dia 25 de outubro (terças-feiras)
Horário: De 19h30 às 21h30. Turma às terças-feiras.
Valor do curso: R$ 700 + R$ 25,00 taxa de matrícula. Inclui livro didático, apostila e os vinhos das degustações.

Curso: Degustação de Vinhos
Data: Início das aulas – Dia 27 de outubro (quintas-feiras);        
Horário: De 19h30 às 21h30. Turma às segundas-feiras.
Valor do curso: R$ 545. Inclui apostila e os vinhos das degustações.

Local: Associação Brasileira de Sommeliers do Rio de Janeiro
Endereço: ABS-Rio Barra. Via Parque Offices- Av. Ayrton Senna 3000 bloco 2 sala 210 - Barra da Tijuca.
Informações: (21) 2421-9640 (a partir das 13h).

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11.10.16

Meus restaurantes no Rio

Tenho a sorte de ter um pai que, talvez por não saber nem fritar um ovo, adora comer fora. Amor esse que deve ter sido transferido para mim já no DNA, pois desde que me entendo por gente me pego procurando por mesas em restaurantes, e bares também, aonde quer que eu vá.
E já passando dos cinquenta vejo que tenho a vida marcada por restaurantes onde meu pai me levou ou eu mesmo escolhi. Não tem nada a ver com a comida que eles serviam, na grande maioria das vezes não se trata de uma marca gastronômica, mas dessa experiência que sempre foi natural e que hoje tantos restaurantes tentam nos impor. São restaurantes que me marcaram menos pelo sabor e mais pelas pessoas, pelas descobertas e pelos momentos que vivi e vivo neles.
A primeira memória de restaurante que tenho é a churrascaria Parque Recreio no Flamengo onde comíamos filé mignon e maminha na brasa acompanhados de muita batata frita e farofa. A casa foi engolida pelas obras do metrô mas espalhou pela cidade garçons e mâitres que me viram crescer em outras mesas. Toninho, Zé, Lima e Chico (que hoje trabalha no Álvaro´s) são tipos que marcaram minha infância. Lembro que um dia o restaurante fechou para que a equipe pudesse servir no casamento do filho de um dos mais antigos e fiéis clientes da casa. Eu estava lá e era como se estivesse em casa com os garçons me chamando pelo nome e vice-versa.
Quando queríamos algo mais sofisticado, meu pai nos levava no falecido Castelo da Lagoa que funcionava numa casa de pedras decorada com gravuras do Juarez Machado pelas paredes. Lembro bem que os pratos eram servidos à francesa e que tinha uma ótima feijoada aos sábados. Sobreviveu durante muitos anos nas mãos do Chico Recarey, o mesmo dono da Pizzaria Guanabara e um dos mais tradicionais donos de restaurantes do Rio no século passado.
Depois que a Parque Recreio fechou, parte da clientela e da equipe migrou para a Carreta em Ipanema que conseguiu manter o espírito da casa do Flamengo. O corredor da entrada terminava na churrasqueira antes do salão onde comíamos as mesmas coisas que eram servidas na Recreio. Na época ainda não existiam cortes como picanha, fraldinha ou cupim. Outra churrascaria que frequentei bastante foi a Jardim na Rua República do Peru em Copacabana. Acho que as três eram tão parecidas em cardápio, atendimento e ambiente que que acabei fazendo um mash-up delas na memória.
Outro restaurante que faz parte da minha história pelas mesas do Rio é o Mistura Fina da Lagoa onde sempre comia a famosa feijoada com feijões branco e preto que o Pedro Paulo promovia aos sábados. De lá saiu o Paulo que hoje é sommelier na Casa Carandaí. O Mistura era o maior alto astral e uma vez promoveu um concurso de Dry Martinis inesquecível.
Eu tinha conta mesmo era no Manolo´s no Leblon, onde hoje está uma hamburgueria.... Do mesmo dono e com o mesmo estilo de comida do Álvaro’s, era onde eu com meus vinte anos batia ponto semanalmente para comer uma deliciosa capa de filé ou o estrogonofe. Sentava e nem precisava pedir ao Chico minha caipivodka de limão, coada com açúcar e um pastel de queijo com cebola. Nessa mesma época de estudante frequentava o Madrugada, do Rodolfo Bottino, na Rua Sorocaba em Botafogo. Ele era uma simpatia – sempre oferecia uma garrafa de espumante nos aniversários - a massa era ótima e a casa fechava tarde. Não precisávamos muito mais do que isso.
Em meados dos anos oitenta tive a sorte de estagiar por três anos num escritório na Rua Rita Ludolf, no Leblon, mesma rua do talvez mais carioca dos restaurantes, o Gula-Gula. Ali foi o primeiro, o Gulinha, que o Fernando de Lamare abriu e onde ele me olhava da cozinha perguntando se a salada de batata frita e a quiche de cebola estavam boas. Hoje continuo vizinho e cliente do Gula que se tornou um grande negócio, com vários endereços, mantendo o espírito e muito da casa original.
Outro que frequento há quase trinta anos e que recentemente mudou de endereço é o Botequim que agora está no começo da mesma Rua Visconde de Caravelas em Botafogo. Outro dia fui me despedir do antigo endereço e encontrei o Ivan Oest, um dos donos da casa hoje tocada pelos filhos e meu professor na Santa Úrsula.
Vivíssimo também está o Luigi’s perto da Praça São Salvador, outro que frequento desde o tempo em que o Alessandro Cucco, hoje sócio da Osteria del Angolo, tirava as pizzas do forno e servia as mesas. Meus pratos favoritos, o filetto pepe verde e o capeletti de gorgonzola, nunca saíram do cardápio. Restaurante super familiar, sem nenhuma afetação, há mais de três décadas por aqui praticamente sem nenhuma mudança.
Todo mundo sabe que eu detesto filas, principalmente para comer. Por isso alguns podem estranhar que o Galeto do Leblon seja um dos restaurantes da minha vida no Rio, pois sábados e domingos está sempre cheio no almoço. Frequento a casa desde que as janelas de madeira não fechavam e continuei frequentando depois que uma longa reforma a deixou parecendo um McDonald’s. É verdade que eventualmente enfrento uma fila, mas se é para comer galeto e picanha num almoço de final de semana, prefiro essa fila, o ambiente e a comida às do Braseiro no Baixo Gávea. Perdi a conta de quantas vezes sentei e o Itamar já tinha botado uma caipivodka e um par de linguiças na mesa. Além das carnes, a farofa de ovos, a batata frita e o pudim de leite são inigualáveis. Em frente ao La Mole são os jurássicos da rua.
Eu devia ter uns doze anos na primeira vez que fui no Garden, em Ipanema e o restaurante era um pouco mais velho do que isso. Não imaginava que décadas depois eu ainda frequentaria não só seus salões, mas também sua cozinha e seu cardápio. Há mais de uma década a casa é administrada por um grupo liderado pelo Jorge Renato que um dia depois de tanto falarmos da culinária catalã, me convocou para treinar seu chef a fazer dois ou três pratos que entrariam no cardápio. Apesar disso o Garden continua sendo um dos mais tradicionais restaurantes do bairro e aquele tipo de lugar onde é difícil escolher o que comer pois o cardápio parece ter sido feito para mim.
O caçula da minha lista faz dezoito anos agora em dezembro. Já foi na Lagoa onde eu conheci, mas há muitos anos está na Barão da Torre em Ipanema. O Bazzar é aquele tipo de restaurante muitas coisas em uma só. É talvez o melhor restaurante de comida brasileira do país, tem um dos melhores bares da cidade, uma carta de vinhos invejável e um ambiente que deixa confortável do executivo engravatado ao carioca-que-só-sai-de-bermuda-e-camiseta. Apesar de frequentar a casa desde o começo, só há dez anos fui conhecer a Cristiana Beltrão que ficou surpresa quando eu recitei os pratos do seu cardápio de memória. Pratos que ao lado de muitas novidades, estão lá desde sempre. O Bazzar é hoje meu lugar para tomar um goró no meio da tarde, jantar bacana ou almoçar com amigos.
Essa dúzia de restaurantes que lembrei não são só os lugares onde eu cresci, também representam um viés carioca da cada época. Além disso, alguns deles nunca se preocuparam em mudar seus cardápios mostrando que o gosto pela mesa é sim transmitido de pai para filho, senão pelo DNA, pela experiência de levar a família numa casa e ela ser acolhida pelo ambiente, pelo atendimento e pelo cardápio certo. E, para quem gosta de comer, quando esse conjunto funciona, deixa marcas.
Claro que não esqueci de lugares como Esquilos, Fox, Alt Munchen, Pantagruel, Quadrifoglio, Guimas, Alho e Óleo, Majórica, Ettore, Cantina Bolognesa, Mama Rosa, Tarantella, Bozó e Lamas que também fazem parte não só da minha história entre mesas e pratos, mas também da história dessa cidade onde, dizem, come-se mal. Pfffff.

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