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26.10.06

Histórias de chefs

Daqui de fora, sentado nessa bela mesa, rodando na taça aquele finalzinho de vinho e satisfeito com o jantar que acabaram de servir, a gente não imagina o que aconteceu para que seus pratos chegassem belos e formosos, além de saborosos, até você. Na maioria das vezes não tem idéia de quem está lá pilotando o fogão, nem como ele ou ela chegou ali. O que a gente vê nas revistas e nos programas de TV é praticamente só imagem. Chefs impecáveis na sua apresentação pessoal, fotos posadas, belos sorrisos, cabelos bem cortados, cara de intelectual, quase uns bonecos de tão perfeitos. Mas será que a vida desses caras é assim como eles se apresentam para nós, mortais?
Dois livros mostram que a realidade pode até ser esta. Eventualmente. Em geral o ambiente desses profissionais que trabalham para que a gente coma bem, em grande parte do tempo é uma selva. E com um leão pronto para te comer todos os dias. São livros com estilos bem diferentes, mas com o mesmo assunto, mostrar os bastidores das cozinhas e salões de restaurantes, badalados ou não, pelo mundo.
O mais radical é Cozinha Confidencial do Anthony Bourdain. É quase uma auto-biografia, uma catarse desse cozinheiro-estrela que já passou por todo tipo de cozinha e hoje trabalha no Les Halles em Nova York. Com muita personalidade, Bourdain desfila um sem fim de histórias desde o dia que entrou numa cozinha pela primeira vez até virar estrela de TV. Apresenta tipos com quem conviveu que poderiam estar num filme ou numa história em quadrinhos, de tão inacreditáveis. Sexo, drogas e sangue não faltam. Mas tem também um lado didático quando lista os equipamentos básicos de uma cozinha profissional, quais as funções de cada um dentro de um restaurante, como é o relacionamento com donos, clientes e fornecedores e a fogueira das vaidades que é o esse mundo dos restaurantes e chefs em NY.
O livro mais novo foi lançado semana passada: Chame o Chef!, uma coletânea de “causos” vividos por grandes cozinheiros e donos de restaurantes. A edição original é americana por isso a maioria das histórias é de lá. Mas a parte brasileira, preparada pela Luciana Fróes, traz gente como Rogério Fasano, Silvana Bianchi e Flávia Quaresma entre outros. O livro também expõe, com um pouco menos de contundência, as agruras por que passaram chefs e donos de restaurantes para poder atender a gente. Há casos de todo tipo, desde vacilos mesmos, daqueles que se tivesse pensado um segundo não tinha feito, até fatos impossíveis de serem previstos. É um livro muito mais ameno, as histórias são na maioria divertidas – exceto a do próprio Bourdain que é bem no seu estilo esse-mundo-é-um-hospício – e algumas têm até uma mensagem. O bacana é que os chefs se expuseram mesmo, contaram coisas que nem os donos dos restaurantes onde trabalhavam, nem seus clientes souberam quando aconteceram. Só quem está em um patamar onde não deve mais nada a ninguém pode fazer isso. São quase quarenta pequenas histórias que parecem escritas pelos próprios protagonistas, o que às vezes faz com que o texto não fique tão interessante quanto poderia ser, mas que assim mostram o estilo, o caráter e a personalidade de cada um. A do Jamie Oliver, por exemplo, parece ter sido escolhida para reforçar sua imagem profissional-rebelde.
Se for para marcar diferenças, o primeiro é um livro masculino, independentemente de ter sido escrito por um homem, que mostra a duríssima realidade do aprendizado de um cozinheiro. É um livro de cozinha. O segundo é definitivamente feminino, as histórias são mais leves, o texto é menos contundente - não lembro de ter lido nenhum palavrão ou xingamento. É um livro de mesa. Mesmo assim os dois têm semelhanças óbvias: primeiro são muito divertidos, daqui de fora as histórias mais duras soam no máximo como pitorescas. Mas a semelhança mais importante é que ambos dão medo. Medo do desconhecido, do que realmente acontece nesse universo paralelo que existe atrás da porta da cozinha.
Se você é um daqueles que gosta tanto de comer fora que pensa em abrir um restaurante perfeito, do seu jeitinho, leia esses dois livros. Garanto que antes da metade você já vai estar achando que é muito melhor continuar a ser só cliente.
O problema, vai ser aprender a conviver com aquela pulga que agora aparece atrás da orelha cada vez que seu prato chega à mesa.

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2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Tem um outro livro legal, mais ou menos sobre isso, que é o " Cartas a Um Jovem Chef", do Laurent Suaudeau. Ele conta o dia-a-a dia de uma cozinha de uma forma bem realista. É bacana que ele desglamouriza a profissão de chef e mostra, de maneira bem clara, a realidade dos bastidores de restaurantes.O lance de "matar um leão por dia" mesmo.
A leitura porém é leve, fácil e rápida.

27/10/06 12:24  
Anonymous Anônimo said...

Li o Cozinha Confidencial logo que saiu aqui no Brasil, e adorei! Aliás, gosto muito tb do 2º livro dele, o Em Busca do Prato Perfeito. Hoje de manhã comprei o Chame o Chef e estou louca pra começar a leitura...espero não me impressionar muito, já que na semana que vem deixo de ser uma jornalista / redatora freela para assumir o posto de sócia de um aconchegante café/bistrô em Ipanema!!

27/10/06 15:14  

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