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22.4.07

A culpada é a rolha

Lá vou eu me metendo em um assunto do qual não entendo nada, mas que me interessa muito principalmente porque acredito que se trata de um estigma enogastronômico que vale ser discutido.
Vi pela primeira vez vinhos com tampa de rosca quando morava em Barcelona no final dos anos oitenta. Eram vinhos baratos para serem consumidos imediatamente mas nem por isso eram vinhos ruins, apenas vinhos populares daqueles que os trabalhadores espanhóis bebem na hora do almoço. Claro que eu torcia o nariz e passava direto, preferindo um vinho mais caro, nem sempre com a garantia de ser melhor, mas com rolha, claro. O estigma de que vinho com tampa de rosca nunca é bom persiste, mas essa percepção vem mudando basicamente por dois motivos: primeiro a rolha de cortiça está ficando cara e pesando no custo final de vinhos mais baratos e segundo porque rolhas de cortiça contaminada têm causado perdas de 10 bilhões de dólares anualmente aos produtores de vinho. E quando o calo aperta é hora de trocar de sapato.
O vinho estragado pela rolha chama-se bouchonée e é reconhecido pelo seus aromas característicos de trapos mofados ou papelão molhado, que se sobrepõem a qualquer outro aroma que o vinho possa ter e o torna imbebível. Vem daí o ritual de se cheirar a rolha depois de abrir a garrafa, coisa que só deve ser feita com vinhos de guarda, aqueles que estão esperando a hora certa para serem degustados. Cheirar rolha daquele chileninho que você comprou no supermercado e levou para o jantar na casa do amigo é mico.
Mico quase impossível de pagar se você tivesse comprado um vinho da Nova Zelândia onde 70% da produção é engarrafada com tampas de rosca garantindo que não haverá nenhum vinho bouchonée. Mas porque este ainda não é um grande movimento mundial?
A rolha é um produto fantástico, é flexível, trabalhável, impermeável no ponto e dizem que foi inventada por Don Perignon, ele mesmo. Além do mais, sacar um rolha de um vinho tem lá seu ritual por mais banal que o momento seja. É um prazer e uma tradição. E como o mundo do vinho é feito de tradição, qualquer mudança é difícil, lenta e trabalhosa. Mas ela está acontecendo e nem tão silenciosamente assim. Muitos produtores, inclusive franceses, já estão estudando a possibilidade de trocar a rolha de cortiça pela tampa de rosca e fazendo testes com este tipo de engarrafamento e aceitação pelo mercado que acredito ser a principal barreira para a expansão dessas tampas.
Além da Nova Zelândia, a Austrália e os Estados Unidos estão engarrafando boa quantidade de vinhos usando tampas de rosca, principalmente brancos que em geral são feitos para serem consumidos rapidamente. Com os tintos a história é diferente e o papel da rolha de cortiça é muito mais entranhado e vinculado ao produto.
É admirável que novos produtores como os dois países da Oceania apostem nesse tipo de tampa para seus produtos sem medo de que o mercado os perceba como menores, de pior qualidade. Talvez os enochatos de lá não sejam tão chatos como os de cá que com certeza torceriam o nariz para um bom novo bom vinho nacional sem rolha mesmo antes de prová-lo.

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10 Comments:

Blogger Luiz Horta said...

Paco, eu sou um convertido à tampa de rosca. Mas ressalto uma coisa, a resistência à mudança, no caso dos grandes vinhos de guarda, é por uma razão mais que o simples conservadorismo: não se sabe o que acontece com um vinho "enroscado" por uns 30 anos. E a rolha permite uma certa troca necessária com o exterior, coisa que a rosca não permite. Mas há controvérsias...Note que o grande vinho australiano, o Penfolds Grange, continua firme com suas rolhas enormes e íntegras. Isto dá pano para manga e acho ótimo que vc se meta na discussão. Abç, L

24/4/07 09:57  
Blogger Paco Torras said...

Luiz e leitores, achei esse longo artigo em inglês sobre o assunto. O melhor é no final onde vários vinhos fechados com rolha e enroscados são degustados e analisados, não percam. Luiz, vc poderia nos dar uma dica de um bom enroscado que se encontre fácil no supermercado para a gente provar?

24/4/07 10:13  
Blogger Paco Torras said...

Faltou o link:

http://www.theage.com.au/news/epicure/seal-of-approval/2006/02/19/1140283945303.html?page=fullpage#contentSwap2

24/4/07 10:14  
Blogger Luiz Horta said...

Sabe que justamente no supermercado é mais difícil de encontrar? As pessoas ainda confundem isto com baixa qualidade. Nunca vi nenhum em super, embora tenha importadora que já tem, a World Wine importa um Bordeaux da Maison Sichel, bastante agradaveis, a partir de 40 reais, cujos vinhos básicos são enroscados. E também a Expand, que tem (ou tinha, não estou certo) uma loja aí, em Ipanema, importa um ótimo Riesling de DR.Loosen, 50 reais, uma bela aulinha desta maravilhosa uva, com tampa de rosca.

24/4/07 10:49  
Blogger Luiz Horta said...

E tem mais, vários produtores que aderiram à rosca, para o Brasil, precisam usar rolhas, porque os importadores pedem, pela resistência dos clientes. A própria garrafa renana, dos vinhos alemães, sofre preconceito no Brasil, alguns vinhos precisam ser engarrafados em bordelesas ou borgonhesas para serem vendidos aqui, se vierem na "compridinha" encalham. Somos gente complicada!

24/4/07 11:00  
Blogger Eduardo Lima said...

Já bebi um australiano com tampa de rosca que estava muito bom. Se é para baratear o produto, tudo bem que ele perca um pouco do romantismo. Agora, colocar vinho naqueles tetra-packs com torneirinha acho meio sacanagem.

26/4/07 14:54  
Blogger Paco Torras said...

Os australianos e noezelandezes não concordam com o Eduardo, a maioria do vinho vendido por lá é de torneirinha.Aliás a Miolo lanço a novidade por aqui com um Terranova. O problema é botar para gelar...

26/4/07 18:04  
Blogger Projeto Miolo Mole said...

e tem também as rolhas de plástico, pessoalmente não gosto, quebram fácil, mas o problema da rolha convencional vai além da "contaminação", a cortiça está com os dias contados, mais uma questão ambiental.

30/4/07 09:47  
Blogger Luiz Horta said...

É, realmente, questão ambiental. A cortiça é protegida, vem dos sobreiros, que são da família quercus, a mesma do carvalho. Manter as rolhas é defender o meio ambiente. Ao contrário da sintética. Eu acho que a rolha não tem substituto para os vinhos de longa guarda. É um produto natural estupendo. Para os demais, tampa de rosca.

30/4/07 13:41  
Anonymous Anônimo said...

Proteger o meio ambiente?! Mas as árvores não são derrubadas para se retirar a cortiça, é mais uma questão econômica pois os sobreiros (depois da camada de cortiça ser removida cuidadosamente), precisam ficar mais 10 anos à espera de formação de nova camada. Esse processo, não causa nenhum dano ao sobreiro, mas ficar 10 anos à espera não é rentável no mundo capitalista em que vivemos.

1/7/07 19:54  

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