Moët
Talvez pela idade, pelo pé que tenho no velho mundo ou por viver numa época em que tudo muda muito rápido e novidade demais às vezes enche, tradição tem sido um assunto recorrente aqui nessas páginas. O fato é que atualmente dou mais valor a conceitos já estabelecidos do que ao que de mais novo esteja acontecendo em qualquer área, principalmente na área perto do meu prato e, no caso desse post, do meu copo.
Nessa minha recente viagem à França, visitando as caves da Moët & Chandon em Épernay, vi como uma empresa que possui e usa as mais avançadas tecnologias na produção de champanhes, prefere se apresentar aos seus visitantes não com esse lado hi-tech que qualquer empresa com dinheiro pode comprar, mas sim com toda a sua tradição e história de séculos nesse mercado cada vez mais concorrido.
Ao contrário dos produtores de vinhos e espumantes do novo mundo que mostram caras limpas, jovens, mas nem tanto, com as sedes das suas vinícolas em construções cheias de estilo, no alto de colinas verdes e bem tratadas, a sede da Moët fica na estreita rua principal da cidade de Epernay, a uma hora de trem de Paris. A bela construção é do início do século XlX, restaurada na medida para manter a história e elegância dos salões e oferecer conforto aos visitantes, que não são poucos.
Há visitas guiadas a cada vinte minutos em vários idiomas. A que nós acompanhamos foi em francês já que minha mulher muito sabiamente disse que, como estávamos visitando a casa de um dos maiores ícones da gastronomia francesa e nos viramos direitinho no idioma deles, seria até uma heresia fazer a visita em outro idioma.
Começamos com um pouco da história da Moët, sua criação, seu relacionamento com a nobreza e com Napoleão, suas fusões e aquisições até tornar-se a mega empresa multinacional onipresente que é hoje. Assistimos então um DVD mostrando os lindos vinhedos de onde vem a matéria prima do seu produto e as características do solo e clima da belíssima região de Champagne, pela qual havíamos acabado de passar de trem, que fazem esse produto único. Depois, nossa simpática guia holandesa nos convidou para descer uma longa escada que entrava terra adentro.
Lá embaixo estávamos a mais ou menos doze graus. O chão era de terra e as paredes de pedra e úmidas escavada há muito, muito tempo. Percorremos apenas algumas dezenas de metros das dezenas de quilômetros subterrâneos que formam estas mais antigas caves da Moët. Vimos cada etapa da produção do champanhe. Soubemos que o processo de girar as garrafas ali é feito por um único homem que trabalha na empresa há trinta e cinco anos e gira em média cinqüenta mil garrafas por dia. Vou repetir: cinqüenta mil garrafas por dia, uma pessoa só. Aprendemos também que o assemblage do champanhe é feito por uma equipe de apenas treze pessoas lideradas por um Chef de Cave que prova a cada ano mais de 100 vinhos para produzir o champanhe mais famoso do mundo. Aqui cabe um parêntese:
Chef de Cave é "o" cara responsável por definir as características do único produto desta multi mega empresa usando apenas seu paladar e sua memória gustativa. Ele prova até 150 vinhos ainda intragáveis para nós e tem que definir qual a quantidade de cada um vai compor o sabor final dos próximos champanhes produzidos que têm que manter a qualidade e conseqüentemente o sabor de um Moët & Chandon. Esse Chef e sua equipe, além de ganharem os tubos, nunca viajam juntos no mesmo avião quando vão provar vinhos fora da França. Por aí dá para imaginar a importância desses profissionais na manutenção do padrão de qualidade do produto e da tradição da empresa.
O final do parêntese serve bem para ilustrar o que vimos, ou melhor, o que não vimos lá embaixo. Não vimos sequer uma máquina para girar garrafas, um carrinho elétrico, uma esteira rolante, nada. A coisa mais moderna que vimos nas caves de Épernay foi a luz elétrica, mesmo assim num fio desencapado com uma lâmpada comum pendurada de quando em quando para iluminar o caminho. A Moët só nos mostrou o melhor de sua tradição, e eu descobri que era exatamente isso que eu queria. Queria ver garrafas empoeiradas em vários estágios de maturação, queria ver o mosto no fundo delas e como o líquido no interior se transforma em uma das minhas bebidas favoritas. Queria mesmo era ouvir, ver e sentir o cheiro de uma bebida que está presente em todas as celebrações importantes dos últimos séculos. Não imagino ninguém que queira visitar a suas caves para conhecer a última tecnologia em produção de champanhes. Acabamos nosso tour tomando duas taças de millésimes rosé esplêndidas e conversando com um casal de franceses do interior que visitavam a Moët pela primeira vez e estavam tão impressionados quanto nós com os valores que nos foram apresentados.
Talvez toda a história da Moët & Chandon não seja percebida na hora que tomamos uma taça da sua marca. Talvez ela só consiga manter sua qualidade e manter-se no topo porque usa toda tecnologia disponível para produzir seu champanhe. Mas tenho certeza que o prazer de tomar um Moët não seria o mesmo se eles não fizessem questão de manter algumas coisas como elas sempre foram, mudando só o necessário para sobreviver e crescer. Deve ser coisa da idade.
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