Em viagem
Estive ausente por que estou viajando hoje para Barcelona e Paris e os preparativos sempre tomam mais tempo do que imagino. Já conheço muito bem a primeira mas fazem anos que não vou na segunda cidade. Minha intenção única nesta viagem é comer, se tiver um museu ou uma atração bacana entre o restaurante do almoço e o do jantar, eu entro :-)
Enquanto isso, espero ter tempo também de postar alguma coisa "on the road", deixo aqui uma historinha minha sobre comer e viajar que foi publicada originalmente na revista Saborear:
O Dissidente Gourmet
Polvani. Quem não se lembra das viagens que a Polvani promovia de ônibus pela Europa? Eram hordas de turistas brasileiros percorrendo as principais cidades do velho continente. Dez cidades, doze dias, pensão completa. Você não tinha nem que se preocupar com o que ia comer.“Hoje é quarta-feira? Então estamos em Paris”. Era uma piadinha corrente na época.
Nesses grupos de turistas há sempre os rebeldes, os que se insurgem contra os roteiros impostos e se recusam a seguir as bandeirinhas dos guias nos museus e monumentos mais concorridos.
Meu amigo Pedro, era um desses. Foi à Europa com objetivos muito diferentes dos de sua mulher, que queria conhecer todos os museus e monumentos. Desde o primeiro dia em Barcelona, quando a turma da excursão foi para o Museu Picasso e a Sagrada Família, Pedro apontou na direção do Set Portes, o mais tradicional restaurante da cidade. Para ele só interessava provar os caracóis, fideuás e tortillas, e tomar os priorats e cavas da região. Enquanto outros tinham nas mãos os mapas e guias das cidades, ele saía do hotel com suas listinhas do que não poderia deixar de comer e beber, feita com a ajuda de amigos espanhóis, franceses e italianos que tinha no Brasil.
Quando o grupo chegou na Itália, ninguém mais perguntava onde Pedro estava quando visitavam o Coliseu ou porque ele não os acompanhava ao Vaticano.
- O Pedro pirou, gente. – Eva já tinha desistido de querer o marido ao seu lado. – Ele só pensa em provar tudo o que está nas listinhas dele. Não sabe o que está perdendo!
Mas no final do dia era ele quem prendia as atenções do grupo, descrevendo os antipasti e os vinhos que tinha provado. Seu prazer era tanto que parecia se divertir mais que os outros.
A rebeldia gastronômica de Pedro ficou ainda mais fascinante quando ele, explicando uma deliciosa alcachofra com alho e hortelã que provou em um dos diversos restaurantes visitados naquele dia, disse que tinha almoçado com a Rita Pavone na mesa ao lado. Como prova, mostrou o autógrafo com um beijo no guardanapo do Ristorante Il Cantuccio.
- Esse mundo é muito pequeno mesmo! Imagine encontrar com a Rita Pavone na única vez que você vem à Itália! – Podia se notar uma ponta de inveja no comentário de Olavo.
No dia seguinte, Pedro desceu as escadas do hotel lendo sua listinha, o dia seria dedicado a provar frutos do mar, quando deu de cara com Olavo no saguão.
- Ué, Olavão, não foi visitar as Catacumbas com o resto da turma?
- Porra, Pedro, você acha melhor ver um monte de túneis escuros cheios de esqueletos ou comer bem correndo o risco de encontrar a Rita Pavone de novo? – Olavo abraçou Pedro e caminharam na direção da porta. – Qual é o cardápio do dia?
- Frutos do mar! – bradou Pedro levantando o braço com a lista na mão, feliz em ter companhia na sua jornada.
E saíram como dois cavaleiros a desbravar o mundo da culinária italiana.
A última parada do dia foi o bar na cobertura do Hotel Éden, sentaram-se no balcão e pediram mexilhões ao vapor e um Schiopetto Pinot Grigio, a quinta garrafa de vinho do dia. Por isso mesmo Olavo achou que delirava quando viu quem estava sentada dois bancos depois deles com um prosecco na mão. Apertou o braço de Pedro e apontou com o nariz. A voz não saía. Era Sophia Loren.
Os dois embasbacados admiraram a musa até que ela levantou-se, olhou para eles, deu um sorriso e foi embora.
- Coliseu poooorrranenhuma!! Isso aí é que é monumento! – Olavo não se conteve e abraçou Pedro agradecendo o passeio.- Não te largo mais de jeito nenhum!
No hall do hotel ninguém queria saber de comentar sobre as Catacumbas ou a Via Apia. Todos queriam saber o que Pedro e Olavo tinham comido e quem tinham encontrado.
O sucesso dos pratos, acompanhados de Rita Pavone e Sophia Loren foi tão grande que o grupo de gourmets dissidentes aumentava cada dia. Era gente que se deliciava com as comidas do dia anterior e preferia o tour gastronômico de Pedro a ser mais um cordeirinho nos rebanhos de turistas que inundavam os museus das cidades por onde passavam.
O grupo rebelde já era maior que o oficial no último dia em Paris. As duas turmas se cruzaram por acaso na Place de la Madeleine e Eva, que ainda seguia no grupo oficial e ressentida com o marido por ter esvaziado a excursão, pode ouvi-lo dizendo:
- Agora vamos ao Goumard comer a melhor bouillabaisse de Paris! – Ele não tinha uma bandeirinha mas levantava o braço e apontava na direção que todos seguiam. — E depois vamos provar os macarons do Ladurée.!
Foi a deixa que Eva precisava. Enquanto os grupos se cruzavam, ela discretamente deu meia volta e sem que o guia a visse, misturou-se aos dissidentes gastronômicos no caminho de uma sopa de peixe imaginando que além da bouillabaisse, ainda poderia ter a sorte de encontrar o Alain Delon por lá.
Enquanto isso, espero ter tempo também de postar alguma coisa "on the road", deixo aqui uma historinha minha sobre comer e viajar que foi publicada originalmente na revista Saborear:
O Dissidente Gourmet
Polvani. Quem não se lembra das viagens que a Polvani promovia de ônibus pela Europa? Eram hordas de turistas brasileiros percorrendo as principais cidades do velho continente. Dez cidades, doze dias, pensão completa. Você não tinha nem que se preocupar com o que ia comer.“Hoje é quarta-feira? Então estamos em Paris”. Era uma piadinha corrente na época.
Nesses grupos de turistas há sempre os rebeldes, os que se insurgem contra os roteiros impostos e se recusam a seguir as bandeirinhas dos guias nos museus e monumentos mais concorridos.
Meu amigo Pedro, era um desses. Foi à Europa com objetivos muito diferentes dos de sua mulher, que queria conhecer todos os museus e monumentos. Desde o primeiro dia em Barcelona, quando a turma da excursão foi para o Museu Picasso e a Sagrada Família, Pedro apontou na direção do Set Portes, o mais tradicional restaurante da cidade. Para ele só interessava provar os caracóis, fideuás e tortillas, e tomar os priorats e cavas da região. Enquanto outros tinham nas mãos os mapas e guias das cidades, ele saía do hotel com suas listinhas do que não poderia deixar de comer e beber, feita com a ajuda de amigos espanhóis, franceses e italianos que tinha no Brasil.
Quando o grupo chegou na Itália, ninguém mais perguntava onde Pedro estava quando visitavam o Coliseu ou porque ele não os acompanhava ao Vaticano.
- O Pedro pirou, gente. – Eva já tinha desistido de querer o marido ao seu lado. – Ele só pensa em provar tudo o que está nas listinhas dele. Não sabe o que está perdendo!
Mas no final do dia era ele quem prendia as atenções do grupo, descrevendo os antipasti e os vinhos que tinha provado. Seu prazer era tanto que parecia se divertir mais que os outros.
A rebeldia gastronômica de Pedro ficou ainda mais fascinante quando ele, explicando uma deliciosa alcachofra com alho e hortelã que provou em um dos diversos restaurantes visitados naquele dia, disse que tinha almoçado com a Rita Pavone na mesa ao lado. Como prova, mostrou o autógrafo com um beijo no guardanapo do Ristorante Il Cantuccio.
- Esse mundo é muito pequeno mesmo! Imagine encontrar com a Rita Pavone na única vez que você vem à Itália! – Podia se notar uma ponta de inveja no comentário de Olavo.
No dia seguinte, Pedro desceu as escadas do hotel lendo sua listinha, o dia seria dedicado a provar frutos do mar, quando deu de cara com Olavo no saguão.
- Ué, Olavão, não foi visitar as Catacumbas com o resto da turma?
- Porra, Pedro, você acha melhor ver um monte de túneis escuros cheios de esqueletos ou comer bem correndo o risco de encontrar a Rita Pavone de novo? – Olavo abraçou Pedro e caminharam na direção da porta. – Qual é o cardápio do dia?
- Frutos do mar! – bradou Pedro levantando o braço com a lista na mão, feliz em ter companhia na sua jornada.
E saíram como dois cavaleiros a desbravar o mundo da culinária italiana.
A última parada do dia foi o bar na cobertura do Hotel Éden, sentaram-se no balcão e pediram mexilhões ao vapor e um Schiopetto Pinot Grigio, a quinta garrafa de vinho do dia. Por isso mesmo Olavo achou que delirava quando viu quem estava sentada dois bancos depois deles com um prosecco na mão. Apertou o braço de Pedro e apontou com o nariz. A voz não saía. Era Sophia Loren.
Os dois embasbacados admiraram a musa até que ela levantou-se, olhou para eles, deu um sorriso e foi embora.
- Coliseu poooorrranenhuma!! Isso aí é que é monumento! – Olavo não se conteve e abraçou Pedro agradecendo o passeio.- Não te largo mais de jeito nenhum!
No hall do hotel ninguém queria saber de comentar sobre as Catacumbas ou a Via Apia. Todos queriam saber o que Pedro e Olavo tinham comido e quem tinham encontrado.
O sucesso dos pratos, acompanhados de Rita Pavone e Sophia Loren foi tão grande que o grupo de gourmets dissidentes aumentava cada dia. Era gente que se deliciava com as comidas do dia anterior e preferia o tour gastronômico de Pedro a ser mais um cordeirinho nos rebanhos de turistas que inundavam os museus das cidades por onde passavam.
O grupo rebelde já era maior que o oficial no último dia em Paris. As duas turmas se cruzaram por acaso na Place de la Madeleine e Eva, que ainda seguia no grupo oficial e ressentida com o marido por ter esvaziado a excursão, pode ouvi-lo dizendo:
- Agora vamos ao Goumard comer a melhor bouillabaisse de Paris! – Ele não tinha uma bandeirinha mas levantava o braço e apontava na direção que todos seguiam. — E depois vamos provar os macarons do Ladurée.!
Foi a deixa que Eva precisava. Enquanto os grupos se cruzavam, ela discretamente deu meia volta e sem que o guia a visse, misturou-se aos dissidentes gastronômicos no caminho de uma sopa de peixe imaginando que além da bouillabaisse, ainda poderia ter a sorte de encontrar o Alain Delon por lá.
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